Ninguém diria que um desejo para começar o ano novo com os dois pés (o esquerdo e o direito, claro) poderia ser controverso. Mas nesta realidade polarizada e digitalizada, não só é polémico como desejável para aqueles que vivem esfomeados por conflitos. Os algoritmos agradecem.
Foi o que aconteceu com um vídeo da atriz brasileira Fernanda Torres, protagonista de "Ainda estou aqui", vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, a promover a famosa marca de chinelos "Havaianas".
"Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito. Não é nada contra a sorte, mas vamos combinar: sorte não depende de você, depende de sorte. O que eu desejo é que você comece o ano novo com os dois pés. Os dois pés na porta, os dois pés na estrada, os dois pés na jaca, os dois pés onde você quiser", disse a atriz, num vídeo publicado nas redes sociais.
Estava lançada mais uma daquelas indignações que nos entretêm durante umas horas, até surgir nova estupidez do género. Bolsonaristas, políticos, influencers consideraram a campanha um ataque ao seu espectro político e daí ao boicote à marca e à atriz foi um instante.
O episódio vale o que vale, mas revela uma necessidade quase compulsiva de transformar tudo em conflito. A liberdade de não precisarmos de escolher um lado e evitarmos rótulos e confrontações é já, por si só, um ato de coragem num mundo que está a ser desenhado para dividir e polarizar cada palavra, cada gesto, cada intenção.
Para não sermos arrastados por esta onda, o melhor mesmo é seguir o conselho da atriz Fernanda Torres: avançar com tudo, da cabeça aos pés.

