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Há dias, ao ler os jornais, senti um baque (no cérebro, o nosso armazém das recordações): a Câmara do Porto pretende retomar o projecto de regeneração da amaldiçoada Avenida da Ponte.
Vamos a ver se desta vez, a pedreira vergonhosa, o buraco imenso e urbanisticamente insuportável, se transforma em cidade (como sucedeu na da Trindade, totalmente regenerada).
A abertura da enormidade constituiu uma hecatombe para o bairro da Sé. Metade do Corpo da Guarda, de S. Sebastião e o Largo da Cividade foram varridos do mapa. Recordo-me – era rapaz – de ver o arrasamento e desaparecer uma parte do Burgo, substituída por uma escavação de onde saíram centenas de toneladas de granito. E de ver demolir alguma da melhor arquitectura setecentista do Porto.
Enquanto a História era desmontada (com a mesma perícia que estava reservada ao Barredo e à Ribeira, salvos por milagre) havia quem dissesse ufanamente: "De S. Bento, vai poder ver-se a Catedral". Como se alguma vez as catedrais fossem para ser vistas isoladas, ao longe, sem os rodeios dos burgos de que constituíam elemento aglutinador. No caso da Sé, seria completamente subvertida, pela construção do Terreiro e a abertura da Avenida, por quem brincava com comemorações de centenários e ligações rodoviárias para trânsito que não as justificava. E quem sabia disto era Mestre Fernando Távora, que reconstruiu a Torre da Câmara mesmo ao lado da Catedral, no sítio certo.
Enfim, pode ser que, desta vez, aquele buraco no coração do Porto deixe de nos envergonhar. Mas, como disse alguém, sou pior do que S. Tomé. Nem vendo, acredito.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia