Acabado de chegar a Portugal vindo do fim do mundo - ou mesmo saído de uma nave espacial - o mais ignorante dos cidadãos percebe em breves minutos estar à boca de cena de eleições autárquicas.Como? Cidades, vilas e aldeias estão pejadas de cartazes, a maioria de gosto duvidoso, repletos de chavões tontos, dando ao acabadinho de aterrar uma noção do próximo futuro. E se ainda subsistirem ténues dúvidas, elas esfumam-se perante o sorriso bacoco deles e delas nas tais pancartas. Num país carrancudo, as faces risonhas indiciam haver gato escondido com o rabo de fora.
Corpo do artigo
O intruso só necessita, pois, de explicações subsidiárias. Como a de que as eleições autárquicas de 29 de setembro estão há vários meses a ser entretidas por guerras intestinas nos aparelhos partidários, as quais, aliás, até fundamentam a existência de muitos pseudo-independentes.
O sorriso dos cartazes é o menos. O mais é a caça ao voto passar por comportamentos pouco recomendáveis sob o ponto de vista ético.
Caso flagrante: a maioria dos conglomerados urbanos vive um período de obras. Asfaltam-se ruas, alindam-se pracetas e jardins. São os retoques de cacaracá da autoria dos autarcas recandidatos, substituindo o abandono de anos do bem público por melhoras de última hora destinadas a dar no olho dos papalvos - e a satisfazer também os patos-bravos (influentes locais) da construção civil.
O certificado de menoridade passado aos eleitores impressiona, de facto. E não são só - mais dois exemplos - os caixotes do lixo ou a limpeza de sarjetas após anos de incúria a denunciar o caráter de muitos candidatos autárquicos.
Há pior. Como a irresponsabilidade fácil do anúncio de novos projetos pelos aspirantes ao poder.
Uma parte significativa dos candidatos autárquicos de hoje assemelha-se aos vendedores de banha da cobra de há uns anos. Antes era a latinha de pomada a atrair o povo sob a promessa de fazer bem a tudo, dos calos aos desarranjos intestinais ou às dores de dentes. Hoje agitam-se por tudo e por nada garantias de bem-estar futuro. Vale tudo na tentativa de convencer os eleitores. Do aproveitamento da miséria escondida nos bairros sociais à mania das grandezas, não obstante a inexistência de um chavo na esmagadora maioria dos cofres autárquicos.
Antes do exercício do voto é avisado, pois, escrutinar as promessas; reclamando dos senhores candidatos a apresentação de fundamentos, sobretudo económico-financeiros, para a viabilização dos paraísos prometidos.
Apertar o crivo da exigência no critério de escolha é também um dever cívico. A exercer de Norte a Sul do país.