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A palavra "bairro" não é mais do que a expressão que utilizamos para identificar, localizar ou caracterizar uma dada realidade ou "unidade" urbana a que, por qualquer razão, histórica ou outra, se atribui uma determinada coerência ainda que indefinida ou imprecisa. Por outro lado, acontece com frequência que a um dado "facto urbano", seja uma construção, uma instituição, um sítio ou um "lugar", se vão justapondo outros factos que vão identificando com o facto pré-existente e que, assim, acabam por obter a mesma designação. Muitas vezes não se trata, sequer, de um "bairro" no sentido de um lugar em concreto mas, tão-somente, de uma simples referência a uma dada "zona" da cidade. Ora, esta palavra - zona - embora remeta para a chamada "cidade moderna" cuja referência é a Carta de Atenas (a cidade "zonificada"), não tem, no entanto e na linguagem comum, qualquer significado em termos arquitectónicos ou urbanísticos. Muitas vezes, a "zona" vale o que vale o "bairro" e, por isso, os conceitos confundem-se com facilidade.
Será, então, que a ideia de "bairro" já não faz, hoje, qualquer sentido e não tem, por isso, qualquer valor operativo? A verdade é que a palavra "bairro" aparece hoje intimamente associada a realidades com forte ressonância negativa o que dificulta, necessariamente, uma eventual recuperação do conceito que, em si mesmo, é estimável. De facto, expressões como "bairro problemático", "bairro crítico", "bairro de lata", "bairro clandestino" ou, simplesmente, "bairro social", estigmatizam à partida quem lá vive ou de quem deles é vizinho. Ainda que a palavra "bairro" esteja também presente em designações a que não se associa nenhum sentido negativo como, por exemplo, Bairro de Alvalade (Lisboa), Bairro Gomes da Costa (Porto) ou Bairro Gótico (Barcelona), a verdade é que, tanto na toponímia das cidades como na identificação dos lugares, se exclui com frequência qualquer referência de tipo "bairrista". De facto, quando o "standard" a que nos referimos em termos socioeconómicos é elevado, a designação de "bairro" resulta, pelo menos, incómoda e, por isso, dá lugar à designação hoje frequente e recorrente de "condomínio" a que, para além do mais, ainda se associam frequentemente qualificativos como "fechado", "privado" ou "de luxo", para que a diferença para o "bairro" comum resulte mais bem marcada.
Efectivamente, o conceito de "condomínio fechado" constitui hoje uma categoria urbanística nova que remete para outros compartimentos das questões urbanas mas que vale a pena debater porque, no fundo, se trata da subversão de duas ideias que sendo factores de cidade e de vida urbana qualificada, são, em si mesmas, estimáveis: uma, é a ideia de "bairro" como quadro de vida em comum, coerente e equilibrado e, outra, é a ideia de "condomínio" enquanto partilha de um mesmo "espaço" por uma comunidade que assenta o seu modo de vida em valores de vizinhança e de solidariedade. A diferença está no facto de esse "condomínio" se fechar e se tornar, por isso, num espaço que não é livre, aberto e socialmente disponível. Com efeito, "condomínio fechado" não é mais do que o "bairro" que se fecha sobre si próprio, que se isola da cidade que o rodeia e que tem, nesse mesmo isolamento, a sua própria filosofia de vida. O "condomínio fechado" pode, por isso mesmo, não ser mais do que um gesto de hostilidade para com a cidade e, portanto, um acto de auto-segregação em relação à comunidade em que se insere mas a que, aparentemente, não quer pertencer.
De facto, fechar-se, significa que entre a comunidade e esse espaço condominial (fechado) se traça uma fronteira que é quase sempre concretizada de forma ostensiva, através dum muro, dum gradeamento ou de uma qualquer vedação e a que, por vezes, até não falta uma "porta de armas" com sentinelas e guaritas e que, também por isso, representa um gesto de "distanciamento" em relação a um meio que é tido como inimigo! A argumentação mais comum, em defesa dessa aberração social e urbanística, é a da necessidade de "segurança" que, nos últimos tempos, se tornou tema recorrente das cidades. Contudo, a verdade é que a sensação de falta de segurança é tanto maior quando mais evidentes, frequentes e ostensivos são os sinais da sua (pelo menos aparente) presença!