Sei que as ações de solidariedade não devem ser publicitadas por quem as faz mas não resisto a confessar-vos que há uma parte da população portuguesa que me preocupa e que faço questão de ajudar sempre que posso.
Corpo do artigo
Há quem seja mais sensível à causa das crianças desfavorecidas ou dos idosos ao abandono, a mim toca-me particularmente a situação dos banqueiros, e as dificuldades por que passam no nosso país, sem que ninguém, tirando um Governo ou outro, pareça preocupar-se. Pronto, agora que está feito este ponto prévio e já sabem que sou um coração de manteiga, podemos seguir.
Os maiores banqueiros de Portugal (ou pelo menos aqueles que não estão em prisão domiciliária) reuniram-se esta semana no CEO Banking Forum e o principal tema em análise foi a possibilidade de os levantamentos nos multibancos passarem a ser pagos... Eu admiro a criatividade destes profissionais. É que não é fácil inventar sempre novos motivos para taxar os clientes. Já tínhamos as comissões na emissão de cheques, as comissões nas transferências interbancárias, as comissões para câmbios, as comissões de manutenção da conta... Os presidentes dos nossos bancos são de tal modo adeptos de comissões, que sacam até da Comissão Europeia para justificar esta ideia que lhes passou pela cabeça. Alegam que os levantamentos já são pagos no resto da Europa. Bom, os nossos parceiros europeus também têm óptimos sistemas de ensino e hospitais onde não faltam condições. Porque é que temos logo de começar por copiar o exemplo menos interessante? Não é por pagarmos para ter acesso ao nosso dinheiro que vamos sair da cauda da Europa...
No vasto cardápio de comissões bancárias, a que mais me intriga é aquela da "abertura de dossiê". Imagino sempre uma funcionária do banco a ir à Staples escolher os melhores separadores e micas para rechear o nosso dossiê, com aqueles documentos cheios de letrinhas microscópicas que dizem, resumidamente, que o banco tem os direitos todos e nós não temos nenhum... Se fazem muita questão de cobrar alguma das operações disponíveis no Multibanco, cobrem por favor os "pagamentos e outros serviços", que sempre se evitavam as filas de meia hora. É óbvio que querem taxar o levantamento porque é a única razão que ainda nos leva ao multibanco... tirando aquelas pessoas que vão lá para os fazer explodir, claro.
Paulo Macedo, da CGD, disse que "não é justo achar que os trabalhadores do banco não devem ser remunerados pelo serviço que prestam". Percebo agora que afinal tinha razão quando, aos quatro anos, achava que aquele boneco que nos dá as boas vindas ao multibanco e diz "por favor introduza o seu cartão", vivia dentro dos terminais. A minha mãe negava sempre e venho agora a descobrir, passados 30 anos, que me mentiu. A mascote está mesmo lá dentro e passa os dias a avisar-nos que só tem notas de 20 e a lembrar-nos de retirar o cartão, caso contrário teremos de pagar mais uma carrada de taxas para dar baixa daquele Mastercard e fazer um novo.
O líder do Novo Banco disse que "20 euros" não são "caros" por um cartão "que faz um conjunto de funções notável". Deve estar a pensar naqueles assaltantes de casas que usam os cartões para abrir portas. Disse ainda que "é muito difícil lá fora explicar que o multibanco é subsidiado". E explicar a dívida de 962 milhões de Joe Berardo, será fácil? Se for explicada por ele, certamente que não. Berardo tem a incrível capacidade de falar uma língua que ninguém entende, em lugar nenhum do Mundo.
Esta discussão foi, até ver, infrutífera, já que a lei portuguesa proíbe taxas de operações de débito no Multibanco. Foi uma espécie de sonho húmido destes CEO. É como quando sonhamos "e se não houvesse bancos e fosse seguro guardar dinheiro debaixo do colchão?". Depois acordamos, espreitamos para baixo do nosso Molaflex e voltamos à Terra. É só cotão. Mas pelo menos não temos de pagar a manutenção e ele cresce bem mais do que um depósito a prazo.
Deve ser a isto que se referem quando falam em macro e microeconomia. Macro é quando o Estado resgata um banco, com milhões de euros dos contribuintes. Micro é quando, cada um de nós, para levantar 20 euros paga comissão. E de facto todos somos poucos para ajudar os bancos. Eles precisam de nós. Ou pelo menos da domiciliação do nosso ordenado.
*Humorista