Os nossos eurodeputados recusam passar da primeira classe para a classe turística. Temos de nos lembrar disso da próxima vez que nos aumentarem os impostos, cortarem as pensões ou anularem apoios sociais
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1.Há quem sugira vender os submarinos. Outros, apontam a reestruturação da dívida. Opções polémicas. Viáveis também? Depende. Se se disser que é o Bloco de Esquerda que defende a devolução do Tridente e do Arpão; se se disser que é o PCP que quer negociar um perdão parcial da dívida com os credores; se se colocar as coisas nestes termos, político-partidários, antecipo desde já o desdém da maioria dos analistas, politólogos, economistas, comentadores, colunistas e articulistas da praça.
Mas podemos sempre colocar tudo de pernas para o ar, propondo a mesma coisa. Basta esquecer tudo o que ficou escrito antes. Na verdade, a venda dos dois submarinos, que de nada nos servem mas poderiam render uma soma próxima do que custaram - mil milhões de euros - é sugerida por José Silva Lopes, o economista que estava à frente do Ministério das Finanças em 1983, quando foi preciso pedir a intervenção do FMI.
Quanto à reestruturação da dívida, afinal quem a defende são os editores da "The Economist", para muitos a mais prestigiada publicação de economia a nível mundial, defensora intransigente de uma economia global e liberal.
Ou seja, num caso, como no outro - José Silva Lopes e "The Economist" -, gente de prestígio junto dos famigerados mercados e insuspeitos de radicalismos de esquerda. Colocando assim as coisas, digamos que de uma forma político-económica, já consigo antecipar alguma aceitação.
Bom... sem querer baralhar demasiado o leitor, revelo, finalmente, toda a verdade sobre a proposta de venda dos submarinos e sobre a reestruturação da dívida. No caso dos submarinos, Bloco e Silva Lopes defendem a mesma coisa: que nos livremos de um monte imprestável de futura sucata; quanto à reestruturação da dívida, apontam-na como o melhor caminho, quer os comunistas, quer os liberais da "The Economist". À falta de melhor conclusão para semelhante alinhamento, diria que tudo isto remete para um novo tipo de ideologia: a da bancarrota.
2. Na semana que passou, a casta que nos representa no Parlamento Europeu decidiu que a austeridade só se aplica à arraia miúda. Rejeitaram uma proposta de Miguel Portas para trocar a classe executiva pela classe turística nas viagens de avião. Não estava em causa o montante, "apenas" o exemplo. Mas nem assim.
Ficam aqui os nomes dos senhores que não abdicam de tratamento vip junto das hospedeiras: José Manuel Fernandes, Paulo Rangel, Regina Bastos, Carlos Coelho, Mário David, Maria do Céu Patrão Neves e Nuno Teixeira (do PSD); Luís Manuel Capoulas Santos e António Fernando Correia de Campos (do PS).
Tome nota dos nomes e lembre-se deles da próxima vez que lhe aumentarem os impostos, cortarem as pensões ou anularem apoios sociais. Vamos todos provar o pão que o diabo amassou, mas os senhores eurodeputados continuarão a voar em primeira classe.