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Do Orçamento do Estado para o próximo ano saíram muitas medidas que impactam diretamente o bolso, e consequentemente, a vida dos portugueses. O IVA das touradas, que, por proposta do PSD/CDS, com o voto favorável do Chega e do PCP e a abstenção do PS, vai passar de 23% para 6%, não é seguramente uma delas. Não é, por isso, de importância menor porque, ao equiparar a tortura à cultura, normaliza a violência e perpetua uma tradição tão anacrónica quanto bárbara.
Vamos aos argumentos. Os partidos que suportam o Governo sustentam que “nada justifica que as atividades tauromáquicas, que integram o património cultural português, não integrem a lista de espetáculos cujas entradas são taxadas a 6%”. Num país em que cinco concelhos não têm biblioteca, a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, defendeu que “se é uma atividade cultural, há que ter a redução de IVA”. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental estima que a descida do IVA dos bilhetes das touradas para a taxa mínima custaria no máximo cerca de 115 mil euros aos cofres do Estado. Ou seja, o impacto económico é quase nulo. O problema não é, portanto, financeiro ou fiscal. É uma questão de valores: o que aceitamos como cultura, o que elegemos como prioridade, que tipo de sociedade estamos a promover e que princípios queremos passar às próximas gerações.
Restritas a alguns países da América Latina (a Colômbia aprovou a proibição a partir de 2027) e da Europa, as touradas estão em decadência: 2023 foi o ano com menos espetáculos de sempre. Um inquérito recente, realizado em vários países europeus, revelou que 77% dos portugueses, espanhóis e franceses estão contra por promover os maus-tratos animais, 55% defendem a proibição e apenas 11% apoiam. Ainda assim, uma larga maioria de deputados, da Direita à Esquerda, viabilizaram a descida do imposto. Se a grandeza de uma nação pode ser aferida pela forma como trata os animais, como postulou Gandhi, estamos perante um evidente retrocesso civilizacional que nos devia inquietar.