Ao ex das Infraestruturas - assumo-o já ex ou em breve, embora escreva antes de quaisquer novidades do primeiro-ministro - fugiu-lhe a boca para o adjectivo.
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Quem escreve sabe que os adjectivos são um pouco tidos em má consideração. Transpirar um texto com demasiados adjectivos indica um escritor em apuros. Em disfarces, pelo menos - quanto mais adjectivado, mais escondido.
Na conferência de imprensa em que nos fez o favor de se enterrar, Galamba entreteve-se tanto a descrever o supérfluo (tão ínfimo quanto as horas a que mensagens foram enviadas), e sobretudo a atirar-nos adjectivos para os olhos, que se esqueceu de disfarçar o essencial: deu como facto as reuniões preparatórias que até há dias não existiam.
Claro que, sendo esse o problema essencial, adjectivar agressões não é uma questão de Estado. Talvez seja uma questão de carácter, talvez seja uma questão de texto - em todo o caso, é um tema.
As ditas agressões de Frederico Pinheiro, disse Galamba, foram "bárbaras". Imagina-se de pronto que se soltou um chimpanzé entre a gente civilizada do Ministério. Que ali estava um não falante da nossa língua. Um exemplar de uma espécie agressiva, para mais conhecida por arremessar - em vez de bicicletas - o que os chimpanzés atiram aos visitantes nas jaulas dos jardins zoológicos.
Os requintes de despeitado tocam inclusive a posição do adjectivo. Será uma "bárbara agressão", como disse Galamba, mais selvagem do que uma "agressão bárbara", como poderia ter dito? Certamente será, pois durante momentos não sabemos do que se trata - sabemos que é bárbaro, e apenas isso importa.
O ex-ministro seguiu a escola do ficcionismo, termo inventado por mim para os políticos que padecem de adjectivos hiperbólicos - e isto para não dizer que seguiu a escola do socratismo, o que seria um epitáfio muito mais justo e merecido.
Os adjectivos a mais fazem maravilhas no arremessamento de estrume para cima dos outros, mas em último caso também qualificam quem os usa. Qualquer agressão, qualquer toque de flor, já seria grave o suficiente - mas Galamba ainda quis acenar com a adjectificação, manchando o ex-funcionário. Não só o demitiu de adjunto, como tentou demiti-lo de pessoa.
Tudo tem algo de triste, de caricato e de ridículo - três adjectivos que obviamente deveriam estar a mais quando se trata de um Governo. Parece até o fim de uma história de amor. Mas foi mesmo um ministro, é mesmo um Governo, é quase um país.
Escritor