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Eu acho, sinceramente, que não estamos preparados para as eleições autárquicas. Devíamos descansar um bocado, porque temos levado com campanhas eleitorais atrás de campanhas eleitorais e até já temos canetas e bonés na gaveta dos talheres. Mas como o calendário eleitoral não pára... Pelo que tenho acompanhado, tem passado essencialmente por vídeos giros nas redes sociais, ações de campanha insólitas para chamar a atenção, os cartazes habituais do partido Chega com a cara do André Ventura a acompanhar todo e qualquer candidato, enfim. Têm sido muitas e variadas as estratégias para nos adoçarem a boca das urnas.
E se antigamente assistíamos a presidentes de Câmara a jogar o trunfo na recandidatura com inaugurações de habitações sociais e de renda acessível, hoje em dia a tendência é outra, provando mais uma vez que estamos num país diferente. Para quê construir habitação e ajudar a resolver realmente um dos problemas mais urgentes do país, quando é muito mais fácil destruir? Sinceramente. Só acha o contrário quem nunca pediu orçamentos, passou tardes no Leroy Merlin no mundo que é a secção dos pisos vinílicos ou a controlar o empreiteiro como se fosse o filho mais novo. É mais barato mandar vir um grande catterpillar e é muito mais rápido, porque basta umas três mocadas para resolver o problema. Foi isso que aconteceu em Loures, em direto para toda a gente ver, assim que o presidente da Câmara deu ordem para terraplanar uma comunidade que tentava viver em barracas. Atenção, em 2022, quando estava em causa refeições escolares e eventuais dívidas dos pais, o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, foi o autor do êxito "as crianças não comem". Portanto, não podemos dizer que é assim tão estranho que isto esteja a acontecer desta maneira. Não é como se o Marylin Manson de repente lançasse um dueto com a Xana Toc Toc.
Segundo o jornal “Público”, foram mais de 100 pessoas desalojadas, sendo que a grande maioria é trabalhadora e, dessa centena, 50 são crianças. Crianças que ficaram sem teto de um dia para o outro. Não sei onde é que há mais lata. Se no talude militar, se no executivo da Câmara Municipal de Loures. Que país é Portugal quando há quem nos queira fazer acreditar que pegar em paus e chapa, sem acesso ao mais básico da dignidade humana, e meter lá a família dentro é o "sonho português". Como se as pessoas de fora viessem para cá almejar esse eldorado que é um baldio ao pé do rio Trancão. Não basta construir uma barraca para ter habitação social e quem vive nestas condições, surpreendentemente até, não passa à frente na fila para obter uma. A Câmara Municipal diz que há um crescimento acelerado e descontrolado deste tipo de habitações. Consigo acreditar e concordo que não é admissível alguém viver assim, muito menos crianças. Mas sabem o que é que também tem crescido acelerada e descontroladamente? Os preços das rendas, os juros do crédito habitação e o alojamento local.
Há três dias, militantes do PS fizeram uma carta aberta ao presidente da Câmara de Loures, eleito pelo Partido Socialista, para lhe dizer que aquilo era capaz de não se coadunar com os valores do PS. Suspeito que o autarca socialista não vá responder à missiva, porque está entretido a responder a comentários de fãs no seu Facebook. Como a resposta "Muito obrigado. Forte abraço" ao utilizador Paulo Cristina, que comentou a publicação com: "Vão para o país deles. Voltem para as senzalas. Força, Ricardo Leão". Apesar de ser um bocado difícil para um socialista ferrenho engolir este exemplar, isto tudo pode muito bem ser uma estratégia do Partido Socialista para não se deixar apanhar pelo Chega nas próximas eleições.
Agora, se é para fazer "política espectáculo" a poucos meses das eleições autárquicas, não usem as pessoas que viram na madeira e na lata a única forma de proteger as suas famílias. Contratem o Tony Carreira para todas as festas da terra ou assim.