<p>Alguém dizia esta semana que as páginas dos jornais se estavam a transformar nos pelourinhos dos tempos modernos, onde se procede a todas as execuções. Parece, infelizmente, que sim. O que devia ser mantido em segredo não se contém nas paredes que deviam ser espessas e intransponíveis da justiça. O país anda de volta às escutas a Sócrates e, no entanto, há uma decisão do presidente do Supremo desde 3 de Setembro. Só depois disso é que as escutas apareceram a público, sabe-se lá por interesse de quem. De onde menos se espera, dos magistrados de maior craveira vêm inclusivamente observações de enorme infelicidade que seguramente não serenam os ânimos, lançam a confusão e nada contribuem para o separar das águas da política e da justiça. </p>
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O procurador-geral da República, por exemplo, dizia ontem ao "Expresso " que "se depender de mim divulgo as escutas (ao primeiro-ministro) para isto acalmar".
O procurador pode ter dito isto por várias razões:
1 - as escutas não têm nada de especial e é melhor que todos as ouçamos para se esvaziar de vez a questão.
2 - embora tenham peso jurídico, isto chegou a um ponto em que o melhor é que todos ouçamos e cada um faz o seu juízo.
3 - não sabendo como resolver este problema, o procurador lava as mãos.
Podíamos enumerar mais motivos. Como se diz em bom português, o procurador falou de mais porque o que é preciso que ele faça é o seguinte:
- Se quisesse ter uma acção pedagógica, deveria ter explicado que as escutas são um método excepcional de investigação e não um espectáculo que todos possam partilhar. Depois, deveria ter feito o que só ontem ao princípio da noite fez: dar conta dos passos seguidos, única forma de se saber que o processo segue os seus trâmites, passo por passo. E, finalmente, dar conta das decisões. Porquê só ontem, já depois do esclarecimento do presidente do Supremo Tribunal de Justiça? O que o procurador não conseguiu foi conter os danos de constantes fugas de informação e ainda contribuiu para a confusão com as infelizes declarações ao "Expresso".
O primeiro-ministro não está obviamente acima da lei. Mas é por ser primeiro-ministro que as condições em que pode ser escutado são diferentes das do cidadão comum. E se há fugas de informação naturalmente que a justiça entra pela esfera da política e isso não é desejável e tem consequências que no caso concreto não podemos ainda avaliar em toda a sua extensão.
Sócrates continua num turbilhão que a uns parece uma campanha e a outros uma sucessão de maus passos que a justiça deve atalhar. A verdade é que investigações várias lhe saíram ao caminho, desde as condições em que obteve a licenciatura, passando pela compra de casa até ao caso Freeport. com os resultados que conhecemos. Quem defende um Estado de Direito é nisto que deve acreditar, por muito que se diga e escreva em contrário, por muito que só pareça sério quem acredite que "alguma coisa deve haver". É assim que alastram os pântanos. E a verdade também é que faz falta a autoridade serena de um presidente da República. Cavaco vive em Belém cumprindo a pena de silêncio a que prudentemente se remeteu depois de uma desastrosa intervenção pública. É pena. O país precisa de alguém capaz de se fazer ouvir e que diga, alto e bom som : "Basta!"
P. S. Perante a divulgação pelo nosso jornal de que muitas mulheres estão a deixar os lugares autárquicos para que foram eleitas, assim se esvaziando a lei da paridade, Maria de Belém disse que a paridade só era obrigatória na formação das listas. A dirigente socialista tem, seguramente, toda a razão. Mas a vida portuguesa está cheia de evidências como esta. A lei existe... mas só para a formação das listas, pelo que a nossa vidinha pode continuar na mesma. Eficácia da lei da paridade? - Igual a zero. Ora bolas.