O filme "Dois Papas" propõe o exercício de imaginar um encontro entre Bento XVI e o cardeal Jorge Mario Bergoglio.
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Não terá acontecido. Mas, pela adequação que revela à realidade, como dizem os italianos, "si non è vero, è bene trovato" (se não é verdade, está bem inventado).
Diga-se que num ou noutro aspeto o guião exagerou nas tintas e é mesmo injusto, sobretudo em relação a Bento XVI. Custa a acreditar que ele tenha feito campanha para a sua própria eleição. E, no filme, fica a ideia de que pactuou com a pedofilia na Igreja, quando, na verdade, foi ele o primeiro Papa a encarar de frente este problema.
Quanto aos motivos que levaram Bento XVI a resignar, o filme dá conta de razões verdadeiras e de outras que poderão ser verosímeis. Tudo indica que Bento XVI tinha consciência de que a Igreja precisava de mudar e que a sua continuidade no cargo não o iria permitir. O pe. Antonio Spadaro, diretor da revista "La civiltà cattolica", pensa que é errado atribuir a renúncia do Papa somente "à debilidade física, provocada pela idade, pelo cansaço ou a motivações semelhantes". O próprio Bento XVI refere outras razões no seu discurso de renúncia.
"No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor, quer do corpo, quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim, que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado". Spadaro conclui, a partir destas palavras de Bento XVI, que "o Papa renuncia ao ministério petrino, não somente porque se sente débil, mas porque percebe que estão em jogo desafios cruciais que pedem uma energia nova".
Que Bento XVI tenha intuído que Bergoglio seria o próximo Papa e tenha dado um empurrão a essa eleição porque viu nele personificada a mudança que a Igreja precisava - é uma narrativa plausível. Que entre Ratzinger e Bergoglio, sobretudo do primeiro para com o segundo, houvesse grande crispação e até aversão, parece infirmado pelos factos.
Hoje, tal como transparece no final do filme, há consideração e estima mútua entre os dois. Só assim se entendem as palavras que o Papa Francisco disse ao jornal argentino "La Nación": Bento XVI "foi um revolucionário (...). É de louvar o seu desprendimento. A sua renúncia expôs todos os problemas da Igreja. A sua abdicação não teve nada que ver com nada pessoal. Foi um ato de governo, o seu último ato de governo".
Para Francisco, a histórica resignação de Bento XVI não é uma desistência, nem o reconhecimento da sua incapacidade para promover a reforma. É um verdadeiro ato promotor da renovação da Igreja.
A forma como o Papa Francisco trata e considera o seu antecessor, bem como a forma como este tem exercido a sua condição de Papa emérito, dizem bem da enorme estatura destes dois homens. Em vez de se atrapalharem, apoiam-se e promovem-se reciprocamente, como se pode ver neste filme.
*PADRE