Os primeiros seis meses de Joe Biden na presidência dos EUA são uma revelação para um homem que, durante décadas, foi sempre um dos rostos da construção de pontes entre o Partido Democrata e o Partido Republicano.
Corpo do artigo
Mais conservador do que a maioria dos seus pares democratas, aproveita o balanço de início de mandato para imprimir um cunho intervencionista e um impulso regenerador, que o pode colocar na trilho de Roosevelt ou Lyndon Jonhson, presidentes democratas que lidaram com grandes crises (a Grande Depressão dos anos 30 e a erupção dos movimentos dos direitos civis nos anos 60, respectivamente) e usaram o Governo Federal para impedir o declínio ou esboroamento das bases fundadoras do sistema político norte-americano. Somando a pandemia ao legado de Donald Trump, a crise contemporânea não é de somenos.
Meio ano num mandato de quatro e nada mais. Biden sabe que (à semelhança do que sucedeu com Hoover, Jimmy Carter, George H. W. Bush e Trump) só terá um mandato para deixar uma marca que ultrapasse o dado histórico de ser o presidente norte-americano com mais idade e a menorização de ter sido considerado uma mera porta de abertura à candidatura da sua vice, Kamala Harris. Findo o seu mandato, aos 82 anos, pensar numa reeleição que o estabeleça na liderança por mais quatro anos é uma miragem. O sucessor de Trump é mesmo um homem e as suas circunstâncias.
Os equilíbrios internos do Partido Democrata obrigavam Biden a dar passos à esquerda, mas não ao ponto de impedir críticas da ala mais progressista do partido. Mas a pandemia e a maturação dos movimentos sociais foram a alavanca da vontade. De Bernie Sanders, Elizabeth Warren ou até de Alexandria Ocasio-Cortez, sente-se aceitação, elogio e confiança.
Com vários programas de apoio à economia, às famílias e à recuperação das infraestruturas, ímpares do ponto de vista estratégico e pelo volume de investimento (cerca de 4 biliões de dólares, globalmente), através da firmeza que demonstra em que 1% dos mais favorecidos paguem mais impostos (a uma taxa de quase 40% para rendimentos anuais superiores a 400 mil dólares), a densificação política de Joe Biden tem sido assertiva e bem comunicada.
Sabe-se bem da volatilidade do eleitorado descontente da classe média e mais desfavorecida dos EUA. Pensilvânia, Michigan, Wisconsin. Estados houve onde a base eleitoral de duas vitórias de Obama (em 2008 e 2012) se transformaram radicalmente para oferecer a vitória a Trump em 2016. Biden fala para a fractura exposta da sociedade americana quando salienta que 90% dos programas de criação de emprego se dirigem a não licenciados.
Ontem, Bernie Sanders perguntava porque se considera radical que finalmente se invista nas necessidades da classe trabalhadora do país, ignorada durante décadas para apaziguar as vontades de 1% da população? "Esses dias irão acabar", profetiza. Trump reapareceu, no início de Junho, na convenção republicana da Carolina do Norte, lançando-se num discurso de uma hora e meia sobre a culpa chinesa na pandemia, a fraude eleitoral e o idoso esquerdismo de Biden. Um Trump pandémico num partido republicano refém e esotérico. A profecia de Sanders só se concretizará com crescimento económico e se Biden continuar a conseguir falar ao coração da América. Sem variantes, já agora.
*Músico e jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

