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O primeiro debate Biden vs. Trump, acolhido pela CNN na quinta-feira passada, deu a Trump a presidência dos Estados Unidos da América. Trump, o Deplorável, Trump, o Mentiroso, Trump, o Sem Escrúpulos, Trump, o Preencher com Insulto à Escolha Porque Todos Lhe Assentam, e até Trump, o Criminoso, agora revigorado pela decisão do Supremo quanto à imunidade, vai voltar à Casa Branca.
O contraste entre um e outro, com um formato exigido pela equipa de Biden e permitido pela de Trump como quem pesca à mosca, foi tremendo. Biden, um homem bom com um historial de serviço público e várias tragédias pessoais que o engrandecem, precisava de comprovar que está apto. Trump, um homem desprezível com um historial de serviço em causa própria e várias farsas pessoais que o diminuem, só precisava de comprovar que não está apto. Enquanto Biden tinha de provar ser quem não é, Trump tinha apenas de provar ser quem é.
Trump está para lá do que exigimos a qualquer político - os maiores defeitos, onde se inclui a total inaptidão para o cargo, tornaram-se nele nas maiores qualidades, já que o jeito para o espectáculo, o culto de personalidade, o desrespeito pelas instituições, a falta de escrúpulos e a megalomania atraem uma boa percentagem do eleitorado - mas Biden também já está para lá de qualquer exigência.
Ao contrário de Trump, as qualidades de Biden transformaram-se em defeitos, sobretudo para o que interessa: ganhar as eleições. A coragem de se abnegar em prol do país tornou-se em teimosia, a entrega à causa pública em devaneio, e a seriedade algo insuficiente e frouxo. Biden está velho - e Biden, como todos vimos, está perto da senilidade. Tão perto quanto um candidato pode estar.
A única missão deste debate era mostrar-se física e mentalmente capaz. Mas nem a armadilha Biden foi capaz de perceber: se pusessem uma batata a discursar num púlpito, a batata nunca conseguiria provar que não é um tubérculo.
O campo democrata desbaratou-se, o comentariado perdeu a cabeça, uns pedem a Biden que desista, outros exigem o fim do financiamento, e há quem pense que ainda vão a tempo de mudar de candidato - mas ninguém percebeu que a política acabou.
Com Trump sempre e agora com Biden, deixou de haver a salvaguarda de políticos no verdadeiro sentido da palavra, tenham eles qualidades ou defeitos pessoais - o debate passou a resumir-se à moral de um e à incapacidade de outro. Isto tem muito de trágico. É triste ver o declínio de um homem como Biden. Mas é mais triste ver a ascensão de um homem como Trump.