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Por mais voltas que se dê, não há justificação para que num debate sobre a vacinação, ainda por cima transmitido pela televisão pública, seja chamado a intervir um "terapeuta de biomagnetismo". É até insultuoso. Para a ciência e para os que deram a sua vida à investigação e a perderam para a doença, iteração a iteração, ao longo de séculos, até aos anos de Luz que nos deram o conforto de saber que há proteção, eficaz e comprovada, contra algumas das mais perigosas doenças.
Não faço ideia do que é ou sabia sequer que existia o biomagnetismo. Aprender é sempre bom, mas isto é um exagero. Biomagnetismo num debate tão sério e fundamental como este da vacinação?
Não há prós e contras entre a medicina e o biomagnetismo. Não é possível o confronto entre a ciência e a "terapia baseada em aplicação dos ímanes e poder da energia mental". Não estão no mesmo plano, não têm as mesmas funções, não existem enquanto oposição de argumentos racionais. Um é ciência, verificada, baseada na dúvida metódica, na validação pelos pares, no ceticismo organizado e em permanente autoevolução. O outro é zero, não vale nada e é, enquanto método para a cura do corpo, no máximo um conjunto de frases não confirmadas.
Que seja preciso explicar isto e que tenha acontecido sem o sobressalto geral diz tudo sobre o estado miserável a que chegou a discussão pública. Mais um nefasto subproduto da vida em rede: como todos têm acesso ao espaço público, criou-se a ilusão de que toda a opinião é automaticamente discurso legitimado.
A ciência tem de estar sempre a ser questionada, é o teste constante e organizado a verdades estabelecidas. Mas não pode ser equiparada a um conjunto de bitaites escritos e disseminados na Internet.
Qual será o tema do próximo debate? "O Mundo será mesmo redondo"? Ou "Os fantasmas existem"?
JORNALISTA