"O senhor é de Viana?", perguntou-me um dia um português em Belém do Pará, estranhando ouvir-me descrever em pormenor as montras do Valencinha da Praça, onde era costume figurarem peças de produção agrícola que rivalizavam com as "coisas estranhas" do Entroncamento.
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Ele era de Viana, mas eu não. Porém, depois de calcorrear aquelas ruas em todas as férias da minha infância e adolescência, tornei-me para sempre num vianense adotivo. Às vezes, as minhas referências são já um pouco datadas, não obstante eu procurar atualizá-las todos os anos, sem exceção, com os dias que por lá passo. Mas aquele vianense longínquo tinha era saudades das Festas!
As Festas são a romaria anual em honra de Nossa Senhora da Agonia, que hoje começa em Viana do Castelo. Pedro Homem de Mello sublinhou, na poesia que Amália cantou, a atração que a romaria provocava nas aldeias recônditas desse Minho antigo: "Havemos de ir a Viana!"
Ir à Senhora da Agonia, ver os trajes das Mordomas e o fogo de artifício, sorver o pó alegre do Campo ruidoso e reverenciar as procissões é, de há muito, o programa de muita gente de um país que, por muito que isso irrite Braga ou Guimarães, tem Viana como a "capital" do folclore minhoto, como sede desses trajes que, por mais que o Ribatejo, a Nazaré ou a Madeira compitam, são indiscutivelmente a marca popular que identifica Portugal pelo Mundo.
Nesta crónica estival, já a ouvirem-se ao fundo os bombos que fazem dançar gigantones e cabeçudos, deixo-os com uma historieta de simples devoção à Senhora da Agonia.
Na minha família de Viana do Castelo havia uma tia, que morreu solteira, pessoa frágil, que muito raramente saía de casa. Fazia-o quase só "nas Festas", para ir à igreja depositar uma esmola dedicada à Senhora. Um ano, já era então muito velhinha, a Tia Zé, como por nós era chamada, constatou que a caixa das esmolas não estava no local do costume. Terá dado mostras de hesitação sobre o que fazer. A expressão dessa atitude foi notada por um cavalheiro que por ali andava e que se prontificou a ajudá-la. O episódico romeiro explicou que tinha havido um problema, pelo que fora decidido que, nesse ano, as esmolas seriam recolhidas "à mão" e que ele "não se importava" de tratar do assunto, entregando posteriormente ao prior o óbolo anual da Tia Zé. Esta, aliviada, ficou grata e, chegada a casa, relatou a simpatia do devotado servidor da igreja. De uma coisa estou certo: o gesto da Tia Zé não foi menos apreciado nesse ano pela Senhora da sua devoção.
Tenham muito boas Festas da Senhora da Agonia! Faço este voto com a "autoridade" de "presidente de honra" da romaria de 2016, um privilégio que este ano assumo com imenso gosto, a convite da Comissão de Festas e da Câmara Municipal.
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