Timor, com todas as carências e fragilidades que bem conhecemos, continua a ser para o Mundo um exemplo de dignidade cívica e de empenhamento democrático, mais uma vez demonstrados na eleição de Taur Matan Ruak que veio fechar o processo das eleições presidenciais no jovem Estado independente. Depois de Xanana Gusmão e de Ramos-Horta, chegou a vez de Taur Matan Ruak que apenas avançou com a sua candidatura, já no final do ano passado, depois de consultar "os irmãos mais velhos" e confirmar que o caminho estava livre. Enquanto a maior parte das candidaturas surgiu como emanação das estruturas partidárias, Ruak, que contou com o apoio do CNRT de Xanana Gusmão, foi candidato por sua iniciativa e em seu próprio nome. Ramos-Horta, tal como tinha prometido, não chegou a entrar em campanha nem foi um verdadeiro candidato à reeleição. A sua candidatura poderá ser interpretada como um gesto de condescendência para com os inúmeros apoiantes que o pressionavam para que cumprisse mais um mandato presidencial. Porém, à semelhança do seu antecessor, Ramos-Horta cumpriu um único mandato de cinco anos e abriu assim caminho para a emergência de novos protagonistas e para a renovação das lideranças timorenses. Esta consciência da inevitabilidade das mudanças e o sentido da importância de assegurar a "passagem de testemunho" para os mais jovens bem pode ser vista como uma marca identitária. Seguramente, reflete também a lição de paciência e de perseverança duramente aprendida ao longo de 24 anos de resistência à ocupação indonésia. Para os timorenses, o poder político não parece representar-se como um objetivo premente, como um fim a alcançar por qualquer preço. E, simultaneamente, a derrota em eleições democráticas não é encarada como um desastre ou humilhação. Xavier do Amaral, primeiro Presidente de Timor-Leste, em 1975, seria mais tarde opositor de Xanana Gusmão e de Ramos-Horta. Francisco Guterres, Lu-Olo, que foi Presidente da Assembleia Constituinte, representou condignamente a Fretilin em sucessivas eleições presidenciais. O CNRT, criado à pressa por Xanana Gusmão para se candidatar às eleições legislativas de 2007, obteve, então, uma votação inferior à da Fretilin. Porém, esse desaire não impediu Xanana Gusmão de formar uma coligação pós-eleitoral que lhe assegurou a maioria, no Parlamento Nacional, e lhe permitiu formar um Governo que durou toda a legislatura, remetendo a Fretilin, minoritária, para a oposição.
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Avotação conseguida por Francisco Guterres, Lu-Olo, demonstra que a Fretilin preserva a sua importância e influência, continuando a ser a principal força da atual oposição. Sem coligações partidárias, repare-se, dificilmente se prevê que um só partido consiga obter a maioria absoluta nas próximas eleições legislativas já convocadas para julho.
Taur Matan Ruak, foi o último chefe da guerrilha. No período que imediatamente se seguiu ao anúncio do resultado do referendo de agosto de 1999, no auge da repressão militar indonésia, conseguiu impor a mais rigorosa disciplina entre as forças da guerrilha acantonadas em condições de dificuldade extrema, resistindo à tentação de responder às inúmeras provocações recebidas, a fim de não oferecer pretextos fáceis para legitimar a continuidade da presença militar indonésia. Viria a ser, depois, o primeiro comandante das forças armadas da nova República independente, cargo a que renunciou para se apresentar às eleições presidenciais. Com a obtenção de mais de 61% dos votos dos eleitores, a vitória alcançada pelo novo Presidente foi inequívoca e expressiva. O povo de Timor-Leste, 10 anos depois de ter conquistado o direito de se governar a si mesmo, continua a encontrar nos valores da liberdade, do pluralismo político e do confronto pacífico, os instrumentos adequados para enfrentar os novos desafios, construir a democracia e escrever, pela sua mão, o seu próprio futuro.