<p>Nascida de múltiplos equívocos, mal dá os primeiros passos e já revela sintomas de saúde frágil. A comissão parlamentar de inquérito à nacionalização do BPN acaba de levar uma valente bofetada, de luva branca e sem pingo de pudor, das duas instituições directamente visadas pela sua investigação. A recusa de entrega de documentos por parte do Português de Negócios e do próprio Banco de Portugal, mais do que desrespeito pelo Parlamento, representa um teste aos limites de intervenção das comissões de inquérito.</p>
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Não é a primeira vez que a recusa de colaboração com estruturas desta natureza dá lugar a processos por desobediência qualificada - há uns anos, o general Garcia dos Santos, antigo presidente da JAE, teve de pagar uma multa por não revelar a identidade de empreiteiros envolvidos em esquemas de corrupção. O ponto, portanto, não é esse. Do que se trata, em primeiro lugar, é de perceber até que ponto o segredo profissional, invocado pelo Banco de Portugal, constitui um travão ao apuramento cabal dos factos.
As comissões parlamentares de inquérito estão investidas de vastos poderes de investigação, equivalentes aos detidos pelas autoridades judiciais. A prática, porém, tem demonstrado que a sua credibilidade se perde por entre os projécteis da batalha política. Para o perceber, basta recordar o caso da morte de Sá Carneiro, etiquetada de acidente ou crime consoante a maioria do momento.
A intervenção no caso BPN assume outros contornos. Como decorre, praticamente em simultâneo, uma investigação judicial, tenderá a criar-se no cidadão comum a impressão de que dois órgãos de soberania - a Assembleia da República e os tribunais - andam ao despique.
A sobreposição talvez tenha assentado na ideia de que todos são poucos para saber o que se passou. É um equívoco, para não dizer uma ideia insensata e, até, perigosa. Porque se ambos os órgãos de soberania têm o dever de procurar a verdade, não é seguro que a verdade "política" coincida com a "judicial". Se o Parlamento chegar mais cedo a conclusões, que efeitos isso terá sobre o desfecho do processo que envolve José Oliveira e Costa?
O segundo equívoco reside no "caderno de encargos" atribuído à comissão, que revela mais olhos que barriga. Querer tirar a limpo a forma como o BdP cumpriu o papel de supervisão do BPN, entre 2001 e 2008, pode parecer ousado, mas faz sentido - e é do domínio da política. Já saber que situações contribuíram para fomentar ou ocultar as irregularidades detectadas é uma tarefa ciclópica. Ou uma rede demasiado grande para não apanhar peixe de que também a Polícia ande à pesca. Cruzando, por uma vez que seja, os dois campos.