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Há algumas semanas e a propósito de uma iniciativa do Governo para estabelecer uma nova lei eleitoral para as autarquias locais, referi aqui que se esperava também uma proposta para a criação de um novo regime jurídico para as áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais. A razão fundamental do meu escrito foi o sentimento deque se estava a promover uma profunda alteração na organização autárquica que, para ter sucesso, precisaria de um debate sério e de largos consensos políticos, difíceis de conseguir no momento conturbado que vive o Governo e na situação difícil em que se encontra o país. Por isso, o melhor seria ter tempo para pensar, sob pena de se inviabilizar por largo tempo uma reforma que, não sendo urgente, é necessária.
Ora a proposta do Governo para um novo estatuto das entidades intermunicipais está aí, pronta para ser debatida na Assembleia da República, após a aprovação do Orçamento do Estado para 2013. Mas não apresenta, a meu ver, qualquer progresso face ao quadro agora em vigor. Pelo contrário, nalguns aspetos há mesmo um retrocesso.
É inquestionável que os municípios precisam de uma estrutura em que concertem posições, sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Há inúmeros problemas comuns e até conflitos de interesses neste enormes espaços urbanos que são geridos por diferentes administrações municipais. E o que é válido para as grandes áreas metropolitanas é-o também, em menor grau, para as outras comunidades intermunicipais.
"Em boa verdade, a cooperação municipal assume-se como um dos principais vetores da coesão territorial, com óbvias repercussões na qualidade de vida das populações..." pode ler-se na proposta do Governo. O núcleo central é, pois, o município. Se é assim, então como pode o Governo pretender relegar os presidentes de Câmara para um papel tão discreto? O que se propõe é que os municípios sejam representados nestas entidades intermunicipais pelos seus presidentes. Até aqui, nada de novo. Só que os remete para um conselho sem quaisquer funções executivas, ao contrário do que hoje acontece. As funções executivas são guardadas para uma comissão de cinco membros, nas áreas metropolitanas, e de três nas comunidades intermunicipais, eleitos por um colégio eleitoral constituído por alguns membros das assembleias municipais, mas que, para serem elegíveis, não podem exercer quaisquer cargos nos órgãos de soberania ou das autarquias locais. Não podem, assim, ser membros das câmaras ou das assembleias.
Trata-se, afinal, de criar mais cerca de 90 cargos políticos com vencimento e despesas de representação, quando hoje os presidentes de Câmara que compõem os órgãos executivos e os membros das assembleias intermunicipais, que são obrigatoriamente membros das assembleias municipais, não recebem por essas funções qualquer salário.
Quando nos lembramos do ruído que se fez porque o projeto de criação das regiões administrativas previa uma comissão executiva para cada uma das regiões então propostas e se vê agora os mesmos guardarem um silêncio sepulcral, só pode pensar-se que a ocasião faz o político.
Não fazer os presidentes de Câmara participar nos órgãos executivos das entidades intermunicipais, nem permitir que os membros das assembleias municipais constituam o órgão deliberativo como hoje acontece é, no meu entendimento, um erro terrível, pois só pode contribuir para a desresponsabilização dos municípios que as integram e para fomentar conflitos entre a comissão executiva e o conselho.
Segundo esta proposta do Governo, os municípios terão de passar a sujeitar a parecer do conselho intermunicipal as deliberações referentes à fixação de taxas, tarifas, derramas, imposto municipal sobre imóveis e tudo quanto diga respeito aos seus poderes tributários. Sem querer pronunciar-me sobre a legalidade desta cláusula, atente-se apenas nas consequências políticas da submissão prévia a parecer do conselho intermunicipal de decisões que estão no âmago da atividade municipal e que são competência própria dos municípios.
Para completar o cenário, o projeto nada diz quanto à forma de financiamento das instituições o que, desde logo, desacredita a proposta e a torna inexequível.
Simplesmente, não se entende, não é razoável. É regredir. Como já noutra altura aqui referi, para pior já basta assim!