Talvez o primeiro-ministro (PM), por ser PM, não devesse ter dito o que disse sobre a decisão do TC. É absolutamente ineficaz e não ajuda a distender um clima já de si crispado entre os vários órgãos de soberania. Mas não é de todo caso para a exploração negativa que designadamente os partidos da Oposição fizeram das afirmações em causa.
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Qualquer português percebe que é difícil o estado natural de "empalamento" entre a troika e a economia ou entre a troika e a Lei Fundamental a que este Governo se guindou. Fazer a quadratura do círculo entre uma visão fundamentalista das políticas de ajustamento e uma visão também fundamentalista dos princípios constitucionais é mesmo impossível e provoca um desgaste brutal em qualquer discurso político mesmo protagonizado pelo PM. Percebê-lo e abdicar de disso ter feito cavalo de batalha, isso sim, teria sido do mais elementar bom senso e de um muito mais esclarecido e eficaz discurso de Oposição.
O que António José Seguro fez esta semana em entrevista à TVI, com um discurso generalista e formalmente indignado, não é suficiente para construir uma alternativa democrática.
Não chega fazer sobressair as propostas mais atrativas, mas que todos percebemos que não resolvem o essencial, nem esgrimir cartas da Segurança Social a um cidadão com 90 anos.
É preciso explicar com clareza qual a proposta de ajustamento ao nosso memorando de entendimento. Por quantos mais anos devemos estender o pagamento da nossa dívida? Que abaixamento de juros e de comissões devemos exigir? Que metas para o défice são afinal exequíveis? Que reforma do Estado e com que calendarização devemos propor? Que medidas estruturais de estímulo à economia devemos defender? Assim, com clareza, integradamente. Uma visão para o Portugal dos próximos 20 anos. Uma liderança forte exige este tipo de discurso e António José Seguro tem de o saber fazer sob pena de poder vir a formar governo, mas não ser nunca uma alternativa.
Por isso não descortino qualquer bom senso na ideia de começar a construir um programa de governo e até de começar a perceber quais serão os ministros a indigitar (sairão de um conjunto de personalidades que progressivamente ganharão visibilidade na discussão do dito programa de governo, segundo explicou o atual secretário-geral do PS) num momento em que o destino do país está ainda garroteado por uma dívida que não consegue pagar, por uma despesa pública que não consegue diminuir o suficiente, por uma economia anémica e por credores que podem continuar a sê-lo por mais uns anos ditando regras e condicionando caminhos.
Precisávamos de um pacto de regime e de clareza nos objetivos. O Governo tem cada vez menos a dizer à troika. Um segundo resgate é ainda uma possibilidade real e o PS? Não quis o pacto de regime. Não tem, portanto, nada com isso. O que sabe é que há eleições em 2015 e portanto há que ganhar tempo e toca de preparar o programa. Não vejo nenhum bom senso e não gosto do que vejo.
Até porque bom senso é arma mais comezinha, mais de nós todos, a ser usada todos os dias e a todas as horas.
Como no caso dos professores efetivos que querem mudar de escola para outra onde há vagas e que não podem porque as vagas só se preenchem no concurso que há de existir para os contratados. Contratados que primeiro foram despedidos, depois têm de se inscrever no centro de emprego e depois se calhar até se desinscrevem porque afinal vão poder concorrer e até ter sorte e virem a ser colocados. Claro que não sabem onde. Longe de casa. Com filhos na escola. Em mudanças só por um ano!
Ou no caso dos milhares de projetos já feitos e a funcionar há anos que foram cofinanciados por fundos comunitários e que não estão totalmente encerrados porque as várias entidades envolvidas se enovelam em auditorias e relatórios. O problema é que entretanto não se pagam os 5% finais do projeto às câmaras, por exemplo, que por sua vez ou não pagam aos empreiteiros ou se endividam para pagar e ficam com o sobrecusto desnecessário e muito elevado dos respetivos juros.
Isto, sim, requer bom senso. O resto requer lucidez e coragem.