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Défice. Duplo. Dívida. Doença. Diagnóstico. Descontrolo. Dependência. Ditames. Drásticos. Deveres. Direitos? Determinação. Difícil. Duro. Dores. Demasiado. Desemprego. Desigualdade. Desamparo. Desespero. Derrapagem. Desânimo. Dilema. Demagogia. Desenvolvimento. Democracia.
Dúzias de "dês". Se não contam a história toda, ajudam a contextualizá-la. Um ano de uma nova linha política. Elogiada lá fora. Mais resignadamente tolerada que assumida cá dentro. Cumprir o acordado, seguindo um guião pré-definido que descuida as instituições e as especificidades. Bom aluno? Primeiro, sem alternativa. "Do or die". Cumprir ou morrer. "Do and die" depois? Cumprir e morrer? Morrer da cura. A expectativa, gorada, no bom senso dos avaliadores? Uma cegueira contagiante?
Compreende-se que o Governo não possa dizer o que os mais diversos analistas têm vindo a clamar - é preciso mais tempo e mais dinheiro. Não tinha necessidade de dizer o contrário. Os números recentes acusam e assustam. A linha seguida não está a resultar. Austeridade e redução da procura interna reflectem-se em receitas abaixo do previsto pelo Governo e quase só pelo Governo. O desemprego só surpreende quem desconhece a estrutura produtiva e o peso que nela tem a construção ou o pequeno comércio. A sua evolução tinha sido antecipada por muito boa gente com visões díspares sobre o que fazer. Ao contrário da intuição da ortodoxia económica, pouco tem a ver com a rigidez do mercado de trabalho. Insistir nessa tecla, depositar nela a esperança, é todo um caminho andado para um agravamento da situação, descurando a dimensão social e as implicações as mais diversas, incluindo políticas, que ultrapassar um certo patamar de desemprego pode ter. Sobretudo quando se conjuga o estatuto de desempregado, com a cessação de apoios e as expectativas de prolongamento indefinido da ausência de emprego.
Quem, concordando com a terapia, achava a dosagem excessiva, foi depositando as suas esperanças na capacidade dos que a ditaram para ler os sinais que o tempo nos ia dando. Esperanças vãs. O pensamento único despreza a realidade, persiste até à ruptura. Com todos os seus erros e defeitos, a Grécia era já uma lição. Foi sendo empurrada até à beira do abismo, havendo quem ainda esteja empenhado em lhe dar o empurrão final. Apesar das suas especificidades financeiras e económicas, também na Irlanda o modelo vai falhando. Some-se-lhe Portugal. Três em três. Um pleno que, nem assim, faz abanar as convicções dos tecnocratas da troika que parecem puxar os cordelinhos das marionetas em que os políticos europeus se transformaram, numa perigosa perversão das regras democráticas.
Será esta cegueira contagiante? Não há vantagem em o Executivo anunciar que vai tentar convencer as instituições europeias de que, mesmo um zeloso cumpridor das recomendações, não consegue resolver os problemas. E em privado? Se não há vantagem em vir a público pedir, também não há em ser "mais papista do que o Papa", até por correr o risco do ridículo se algumas das alternativas (por exemplo, a mutualização parcial das dívidas) vierem a ser adoptadas. Até que ponto a determinação liberal de Passos Coelho e Vítor Gaspar lhes tolda a visão? Até quando Paulo Portas, bem consciente da realidade, manterá a sua fidelidade e alinhamento absolutos?
Um ano é muito tempo? Sim e não. É tempo demasiado para não se perceber que a estrutura do Governo tem falhas. A persistência no erro, não se percebe a pretexto do quê, tantas já foram as promessas eleitorais quebradas, tem limitado a oxigenação da economia e do emprego e adiado a esperança. Subdividir os ministérios da economia e agricultura é prioritário. Fechar o dossiê Justiça também. Explicar o que se pretende com as reformas na saúde e na educação começa a tardar. É mais do que tempo para que as Finanças deixem de ser só orçamento e comandem a reforma administrativa.
São precisos rumo e ritmo, conscientes de que nem sempre a linha recta é o melhor caminho e que o passo acelerado dá para ficar na fotografia, nas primeiras voltas, mas não ganha maratonas. Diz o bom senso.
O autor escreve segundo a antiga ortografia