Nunca como agora terá sido tão fácil determinar o maior constrangimento da sociedade portuguesa. O país será unânime: à cabeça de todo o cardápio de problemas é obrigatório colocar o desemprego e as mazelas por ele provocadas. Individual e coletivo, existe um drama em curso.
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Há várias leituras possíveis das taxas de desempregados, mas todas em curva ascendente. O registo de cidadãos inscritos nos centros de emprego, isto é, cumprindo os requisitos para obtenção de subsídio é um; outro passa pela contabilização dos que já esgotaram esse direito e estão sob a alçada do Rendimento Social de Inserção; junte-se ainda o dos chamados "inativos" - que raio de forma de classificar quem já perdeu todas as esperanças de encontrar trabalho! - e o do grupo de portugueses ainda não registados por estarem em lista de espera para a obtenção do estatuto de primeiro emprego e aí está o impacto assustador: mais de um milhão de pessoas sem direito à projeção de um horizonte de futuro.
Sem se perder de vista o panorama global, o exercício de "fatiar" quem não dispõe de trabalho é importante, até para se perceberem impactos sociais segmentados.
Graças ao mérito da organização de manifestações um pouco por todo o país, tem havido uma tendência para valorizar o desemprego jovem, constituído por gente bem preparada mas cujas aptidões não bastam para captar lugares virtuais de uma economia anémica. Os 36,2% de jovens desempregados são, de facto, a projeção realista de um país sem futuro. E essa será razão bastante, embora injusta, para se dar menor atenção à problemática do desemprego de longa duração, o qual abrange sobretudo as gerações mais experientes mas também mais velhas - não o suficiente para terem direito ao estatuto de reformadas.
Jovens sem ocupação e pessoas de meia-idade incapazes de satisfazer níveis básicos de sobrevivência formam um coquetel explosivo.
O flagelo da falta de emprego dispõe, no entanto, de uma outra alínea normalmente pouco valorizada mas à qual convém prestar cada vez mais atenção: a dos casais desempregados.
Os números ontem referenciados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional relativos ao mês de abril são mais uma campainha de alarme. De entre os 655 898 desempregados inscritos nos centros de emprego 291 544 são casados ou vivem em união de facto e destes há 7877 casais - mais 70,6% do que há um ano!
Hoje, nenhuma família portuguesa está a coberto do problema-aflição do desemprego. Filhos fazem das tripas coração para ajudar pais sem trabalho; pais marcados pelo ruir de um castelo de sonhos tentam o impossível no apoio aos descendentes, privando-se de bem-estar, mas muitas vezes impotentes para custear estudos, por exemplo. Tenta-se, em todo o caso, minorar o mar encapelado de dificuldades. Uma escapatória impossível no caso em que marido e mulher estão sem rendimentos de trabalho - o que só agrava o tecido social. Ainda que o Governo tenha majorado o subsídio para estes casos, a quase duplicação do número de casais atingidos pelo desemprego num ano tende a tornar-se na mais perigosa das bombas-relógio geradas pela falta de trabalho.
Sejam lá o que forem, o país carece mesmo de calibrar a austeridade com políticas de crescimento.