Para conhecer bem uma cidade, é preciso entrar pelas traseiras. É nesses territórios, quase sempre negligenciados pelas políticas públicas, que encontramos muitas explicações para aquilo que classificamos como marginal ou fora da lei.
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Os acontecimentos desta semana na zona da Grande Lisboa dizem-nos muito acerca da falta de integração de alguns grupos sociais. Claro que podemos sempre disparar acusações contra a Polícia, mas aí falhamos parte daquilo que importa ponderar.
Olhemos com atenção para o bairro da Jamaica, no Seixal. Aquele aglomerado de degradados prédios em tijolo deteriorado tem forçosamente de albergar pessoas revoltadas. Com tudo. Com o trabalho que os desgasta ou com o desemprego onde se afundam. Com o meio envolvente que tão mal os acolhe. Com as instituições que não os protegem. Um dos maiores problemas daquelas pessoas é a pobreza que os envolve diariamente numa crescente revolta. Por isso, quando lá chega uma carrinha da Polícia, a reação é sempre de hostilidade, mesmo antes de qualquer agente sair do carro. E isso deveria impor cuidados acrescidos.
Não se conhece muito bem o que levou, no passado domingo, as forças policiais ao agora tão falado bairro do Seixal. Sabe-se o que se vê num vídeo posto a circular nas redes sociais: polícias chegam a uma zona degradada e agridem algumas pessoas de cor. Mas o que se vê é apenas um lado da história. Quem capta ao longe as imagens vai juntando ao filme frases de um duro ataque à Polícia. Publicado no Facebook, o vídeo funcionou como um rastilho para uma revolta que multiplicou focos de vandalismo e para um arriscado discurso político-partidário que colocou a Polícia no olho do furacão.
Menos de 24 horas depois dos incidentes no bairro da Jamaica, algumas dezenas de pessoas concentram-se junto do Ministério da Administração Interna e seguem depois pela Avenida da Liberdade rumo à Rotunda do Marquês. A Polícia procura controlar a ocupação da faixa de rodagem e travar a danificação de carros, disparando balas de borracha. Novas imagens acentuam a revolta. Elementos do Bloco de Esquerda falam em racismo, alguns extremando reações. A Polícia, em comunicado, procura defender-se. Nos dias seguintes, a destruição estende-se a outros locais: Odivelas, Setúbal, Loures... Perante isto, há que agir de outro modo.
Mais do que discursos genéricos, é preciso esclarecer rapidamente o que se passou no bairro do Seixal e perceber se houve, ou não, abuso de poder e ofensa à integridade física dos moradores. Em seguida, é imprescindível abrir canais de comunicação com os bairros em polvorosa. Quase sempre os atos de vandalismo são protagonizados por minorias que convém controlar e monitorizar, mas não se pode tomar a parte pelo todo. O presidente da República tem razão, quando diz que importa não generalizar.
Os caixotes de lixo queimados, os carros danificados e as esquadras vandalizadas são sinais que não devem ser negligenciados. Porque destapam uma franja importante da sociedade que vive nas periferias de tudo e colocam a nu instituições públicas que falham onde deveriam ser mais proativas.
Ao longo destes dias, ouvimos depoimentos de pessoas que se queixam de racismo, de violência social, de discriminação... Há, pois, que começar a tirar das margens essa gente que não quer aí estar, mas que não tem meios para sair daí. Claro que, no meio dessa população à deriva, há também aqueles que insistem em viver fora da lei. E esses devem ser seguidos pelas forças policiais a quem se exige a manutenção da ordem pública. Uns não se confundem com os outros. Todavia, no meio de uma torrente mediática, é fácil misturar tudo. E isso cria ruído, afastando-nos da solução de um problema que se chama bombas-relógio que as margens sociais sempre produzem.
Prof. Associada com Agregação da U. Minho