A língua portuguesa é muito traiçoeira, pois está atulhada de palavras e expressões que dão para dois ou mais lados. Peguemos, por exemplo, no vocábulo tempo, que tanto dá para significar o tempo meteorológico - "O tempo vai piorar a partir de amanhã" - como o tempo medido pelo relógio - "Falta ainda muito tempo para acabar o jogo?", pergunta ao minuto 91, no Dragão, o adepto benfiquista.
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Os ingleses, que são mais práticos usam time para tempo/hora e weather para tempo/atmosférico.
A nossa mania de economizar nas palavras faz com que o vocábulo partido tanto sirva para designar uma coisa que se quebrou como para se referir a uma associação de cidadãos que supostamente partilham as mesmas conceções políticas, mas seguramente têm em comum o desejo de chegar depressa ao poder e às boas sinecuras no Estado.
Mas, da mesma maneira que um relógio parado dá a hora certa duas vezes por dia, há circunstâncias excecionais em que se pode usar com propriedade um vocábulo ambíguo, tirando partido das duas aceções da palavra. Refiro-me ao caso do PSD, um partido que está todo partido.
Sucede que a fragmentação do PSD poderá ser de grande utilidade para desbloquear um sistema político-partidário entupido que precisa de ser clarificado. Os estudos de opinião dão o PS à frente nas intenções de voto, mas com uma vantagem muito estreita sobre um PSD que teima em se manter vivo apesar dos sacrifícios de proporções bíblicas a que nos tem sujeitado.
Ou seja, se as legislativas fossem hoje, o mais provável é que o PS ganhasse, mas longe da maioria absoluta e, como agravante, desprovido da bengala traiçoeira que o CDS providencia ao PSD, mas que o PCP e Bloco não lhe podem dar.
A boa solução para desentupir esta situação congestionada consiste em desambiguar o PSD, deixando as diferentes frações que o dilaceram evoluírem para pequenos e médios partidos, um dos quais (ou até dois) se poderiam coligar com o PS, viabilizando um Governo Seguro (a língua portuguesa é mesmo muito traiçoeira), sem recurso à indesejada repetição da rançoso Bloco Central.
Neste sentido, deixo ficar quatro sugestões à consideração dos barões laranja.
Rui Rio e Zé Pacheco Pereira podem fundar o PSD (R), sendo que o (R) responderia ambiguamente por Rui (com a adesão de Moreira), Recauchutado ou Reconstruído.
Santana Lopes deve abandonar o sonho narcisista do PSL (que dá para Partido Social-Liberal, como para as iniciais do seu nome) e investir no MRPPD-Movimento Reorganizativo do Partido Popular Democrático.
António Capucho, o genial inventor do fértil conceito de Militância Suspensa, tem de criar o PSD-MS, designação que lhe poderá garantir um gordo financiamento da Marks & Spencer quando a moda do naming chegar aos partidos.
E Marco António deveria avançar na constituição do PSD I (I de Imperial), se conseguir seduzir para este projeto Carlos Magno, o presidente da ERC.
"Bora aí desambiguar o PSD para desentupir isto!