A identidade de uma cidade estrutura-se, em parte, pelos traços distintivos que apresenta. Em Braga, nada é mais singular do que a Semana Santa. Em nenhuma outra parte do país, encontramos celebrações religiosas com tamanha solenidade. E isso deveria suscitar uma cuidadosa atenção do poder local, da Igreja e do Turismo nacional. Falamos aqui de momentos únicos que poderão constituir uma colossal atração turística.
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Quem passar estes dias por Braga depara-se com múltiplas manifestações religiosas. Num livro que assino com o repórter fotográfico Alfredo Cunha, intitulado "Rua do Anjo", que será apresentado hoje, aponto a Procissão do Enterro do Senhor, que se realiza esta noite, como um dos eventos mais grandiosos desta Semana. O cortejo inicia-se na Sé e faz percorrer pelas ruas do centro da cidade o esquife do Senhor morto, precedido de um andor com a Cruz despida, seguido por um outro, o da Senhora das Dores. Como explico na obra, o cortejo é integrado por largas dezenas de figurantes, carregando um véu de luto e por inúmeras irmandades e membros de confrarias, grande parte dos quais de cabeça coberta. As matracas dos farricocos que, na noite de anteontem, haviam soado estridentemente noutra procissão, a do "Ecce Homo", irão agora silenciosas. Nas beiras das ruas, as centenas de pessoas que aí acorrem para assistirem a este cortejo respeitam esse silêncio, funestamente cortado pelas bandeiras e estandartes que, com tarja de luto, se arrastam em modo pesado pelo chão. Na quarta-feira, realizou-se outra procissão. A Igreja designa-a como cortejo bíblico "Vós sereis o meu povo". O povo prefere chamar-lhe a Procissão da Burrinha, por nela estar integrado um quadro que representa a fuga dos pais de Jesus para o Egito, com Maria montada precisamente numa burrinha que se constitui ali como alvo da atenção de todos. No domingo, nas diversas freguesias bracarenses, sairão os tradicionais compassos que, em Braga, são apenas uma parte de uma Páscoa sem réplica em qualquer outro sítio.
Sendo Braga conhecida pela religiosidade que lhe é intrínseca, urge pensar noutra dimensão para o religioso. A esse nível, poder local e Igreja têm de intensificar o trabalho conjunto para o qual devem convocar o Turismo de Portugal. Ainda que as celebrações encontrem no centro da cidade o seu espaço natural, seria profícuo alargar as solenidades ao Bom Jesus, agora património da UNESCO, criando, por exemplo, aí um palco privilegiado para concertos integrados no Programa de uma Semana Santa que ganharia muito em internacionalizar-se mais.
Professora associada com agregação da UMinho