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Portugal vive a terceira grande vaga de emigração em pouco mais de 100 anos. Todavia, ao contrário dos movimentos do século passado, a emigração da atualidade é bem mais transversal. Inclui os habituais menos qualificados, os quais são ainda a maioria, mas também aqueles que se designam por talento, que são genericamente licenciados mais ou menos jovens. Custa vê-los sair, pelo que venho propor um olhar mais positivo sobre o fenómeno. Como dizia Einstein, "no meio da dificuldade reside a oportunidade".
A mobilidade do talento é uma problemática muito antiga. Conhecem-se relatos de queixas dos atenienses por altura do ano 150 d. C. alusivos à fuga de cérebros para Alexandria. Mais recentemente, a expressão "brain drain" foi introduzida pela Royal Society do Reino Unido já na segunda metade do século XX para descrever a emigração de cientistas e tecnólogos para os Estados Unidos.
No caso português, a razão da emigração de indivíduos mais qualificados é com certeza potenciada pela recessão, mas importa ler para além do óbvio. Quando se trata dos melhores de entre os licenciados, as oportunidades de emprego internas surgem naturalmente. Porém, muitos destes acabam por sair à procura de contextos de realização pessoal e desenvolvimento profissional que não encontram facilmente em Portugal. Melhores empresas, melhores culturas, melhores experiências, melhores salários. É gente que quer e precisa de meritocracia.
O brain drain comporta perdas e ganhos. Do lado do prejuízo, contabilizam-se o investimento realizado pelo país de origem na formação dos indivíduos e a perda do valor potencial que os mesmos criariam, se não emigrassem. Do lado do lucro, consideram-se as remessas dos emigrantes, que no caso português têm crescido desde 2008, situando-se em 2012 acima dos 2700 milhões de euros. Há ainda um par de efeitos não despiciendo: a redução da taxa de desemprego e o alívio das prestações sociais que lhes estão associadas. Não admira, portanto, que, feito o balanço, os governos de economias em crise sugiram aos jovens a opção da emigração. Assim o fez Passos Coelho e, agora também, Fátima Bañez, a ministra do Emprego espanhola.
Em todo este cenário existe, contudo, uma oportunidade. Proponho que olhemos para este grupo de emigrantes mais qualificados como uma enorme turma de talentos que está em formação avançada no estrangeiro, com estágio incluído e remunerado em empresas quase sempre mais desenvolvidas do que as que temos por cá. Começando a nossa economia a crescer, seguramente mais limpa de empresas insolventes e mais focada nas exportações, o regresso desta turma representaria um extraordinário choque de qualidade e experiência internacional.
António Pires de Melo, diretor-geral da Volkswagen Autoeuropa, dizia, há algumas semanas, que "Portugal só evoluiu quando houve um choque de retorno de emigrantes". É verdade, mas para que isso aconteça é preciso pôr o país a crescer para criar as condições de regresso. A economia tem de respirar, o investimento externo tem de reaparecer e o Estado tem de investir. Menos neoliberalismo e mais keynesianismo.
Entretanto, urge criar um sistema de informação para o rastreio das carreiras destes jovens que agora saem. Seguramente que eles próprios estariam interessados em registar o seu percurso numa plataforma do talento português. Quando chegar o momento, e vai ter de chegar, poderíamos então passar do brain drain para o brain hunting, ou seja, a caça ao talento. Tratando-se de quadros portugueses mas internacionalizados, o custo de integração é despiciendo, pelo que teríamos por fim um brain gain, justamente aquele choque de produtividade de que tanto necessitamos. É algo para acontecer dentro de 5 a 10 anos, o tempo necessário para o país sair da recessão e, também, para esta coorte de emigrantes adquirir experiência e conhecimento. É muito tempo, dirão alguns. Talvez para mim assim seja, mas seguramente que não para os meus filhos. O futuro começa hoje.