As cloacas da política brasileira estão de se tapar o nariz, tresandam, tal a dimensão dos escândalos de corrupção que ameaçam a democracia e a estabilidade do mais poderoso país da América Latina, nosso parceiro maior na geografia da língua portuguesa.
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O último dos apanhados na teia é o presidente não eleito, Michel Temer, agora indiciado pelos crimes de corrupção passiva, obstrução da justiça e organização criminosa. A investigação foi ordenada pelo Supremo Tribunal Federal depois da revelação de gravações que o comprometem na aprovação de um esquema de subornos destinados a comprar o silêncio de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Hoje detido por diversos crimes, no âmbito da chamada operação Lava Jato, foi este Cunha que comandou todo o processo que conduziu à destituição de Dilma Rousseff (nunca acusada na justiça) e à subida de Temer ao Palácio do Planalto.
Um ano depois, o Brasil não ganhou com a troca. Anémica, a economia não descola da recessão em que mergulhou nos últimos anos. O desemprego atinge mais de 14 milhões de brasileiros. A insegurança cresce e a criminalidade atinge níveis recorde. É a crise social que bate tão fundo quanto o descrédito generalizado da classe política e de alguma elite empresarial - cúmplices ou tomados pela corrupção, que alastrou como metástases de um cancro. Nos tentáculos deste polvo esbracejam muitas dezenas de dirigentes, deputados e senadores de quase todos os 28 partidos que compõem o complexo e ineficaz sistema político brasileiro, agora bloqueado. Entre o incrédulo e o envergonhado, o Brasil descobre que quase todos os seus ídolos têm pés de barro.
Debaixo de fogo e contestado nas ruas, o presidente não eleito desmente as acusações e garante que não renuncia. Mas, mesmo que porventura ganhe na justiça, Michel Temer perdeu definitivamente a oportunidade de se legitimar pelo voto. Em regime normal, as eleições deveriam ocorrer em outubro de 2018, devendo o legítimo sucessor de Dilma chegar ao Planalto no primeiro dia de 2019. Até lá, só uma alteração constitucional permitirá chamar o povo às urnas antes das datas previstas. Acontece que tal decisão depende da Câmara de Deputados cuja maioria ainda suporta o Governo de Temer. Antes mesmo do último episódio, restavam-lhe, nas sondagens, escassos 4% de aprovação. Se já era um presidente débil, é agora um cadáver político. Mas é preciso dizer-lho, nem que seja na rua. Pela primeira vez em quatro décadas, volta a ouvir-se a velha palavra de ordem, muito popular nos anos finais da ditadura: "Diretas, já!"
* DIRETOR DO JN