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Uma verdadeira caixa de surpresas. Os acontecimentos ocorrem a uma velocidade estonteante no Brasil. De manhã, o presidente-interino da Câmara dos Deputados surpreendeu tudo e todos ao anular a decisão de "impeachment" a Dilma Rousseff. A 17 de abril, 377 deputados votaram favoravelmente a destituição da presidente. Contra 137. Ao fim do dia, a normalidade regressa com o presidente do Senado a rejeitar a anulação.
Com tudo isto, foi a democracia brasileira que levou mais um golpe na sua já debilitada credibilidade. A decisão de Waldir Maranhão, que substitui Eduardo Cunha, afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), devido a suspeitas de corrupção, foi mais um episódio anormal em todo este processo. Maranhão sustenta a sua deliberação com a falta de confiança nos deputados. "Ocorreram vícios que tornaram nula de pleno direito a sessão" em causa, alega o homem que coordena o Parlamento brasileiro. Segundo o presidente-interino da Câmara, o voto foi orientado. O seu argumento é este: os deputados, "antes da conclusão da votação", anunciaram publicamente os seus votos. E esse facto, defende, "caracteriza pré-julgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa que está consagrado na Constituição".
A confusão aumenta. E por muito que a própria Dilma Rousseff se espante com a notícia, para muitos será sempre entendida como um arranjo entre o Palácio do Planalto e Waldir Maranhão. Com um Brasil partido ao meio pelo ódio, a decisão de anular uma votação do parlamento pode ser entendida como um voto de desconfiança à própria democracia e um incentivo a que o poder caia nas ruas.
Não quer isto dizer que grande parte dos deputados brasileiros mereça alguma confiança. O espetáculo dado no dia da votação do "impeachment" (até houve elogios ao torturador de Dilma durante a ditadura) deixou a nu um país entregue aos mais estranhos interesses - onde política, religião e grandes negócios perigosamente se entrelaçam.
No meio de tudo isto, a presidente brasileira parece ser a única a manter racionalidade e sentido de Estado. Vítima de um assalto ao poder, por interesses vários apoiados por poderosíssimos grupos de comunicação e por centenas de deputados (grande parte alvo de investigações por casos de corrupção), pretendem afastar Dilma sem que algum tipo de crime lhe seja imputado. É injusto, sem dúvida. Reverter a injustiça recorrendo (a ser verdade a suspeita) a um deputado, também ele a contar no rol de alegados corruptos, anulando uma decisão do Parlamento, é também, no mínimo, perigoso.