Não me lembro de um acontecimento político que tenha despertado mais paixões do que o Brexit. Mesmo que não tenhamos necessariamente uma opinião fundamentada sobre o Brexit, ou seja, sobre as consequências do divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, há uma multidão arrebatada com as narrativas épicas e os discursos inflamados que se têm lido ou ouvido por essa Europa fora a propósito do Brexit.
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Vejamos um dos exemplos que congrega multidões. Na sequência da vitória do Brexit, a Escócia, pela voz da sua primeira-ministra, Nicola Sturgeon, colocou de novo em cima da mesa a independência, por entre juras de amor eterno ao mercado único e à circulação de bens, serviços, capitais e pessoas (que não ao euro, uma vez que na libra esterlina não se toca). Foi como se de repente estivéssemos a rever Braveheart, com hordas de europeus (e portugueses) com a cara pintada de azul e ansiosos por verter o sangue dos infames ingleses e contribuir para a derrota de um país de tiranos. O facto de esta ser uma narrativa muito semelhante à que se produz em Inglaterra, no caso para afirmar a independência dos bretões sobre os tiranos continentais do eixo franco-alemão, não é para aqui chamado.
Mas vejamos então esse outro exemplo de arrebatamento multitudinário. Poucos dias depois de "O Dia da Independência" (slogan sacado de um filme que curiosamente retrata o colapso da civilização), Nigel Farage, esse Robin dos Bosques dos tempos modernos, mas sem collants (estou a pensar na versão cinematográfica protagonizada por Errol Flynn), compareceu perante os pérfidos barões do Parlamento Europeu, comandados pelo xerife do Luxemburgo, e assestou-lhes dois golpes: primeiro, para lhes atirar que nunca fizeram nada na vida para além de viver do salário da política; depois, para lhes recordar que, há 17 anos, quando pela primeira vez saiu da floresta de Sherwood para combater nas cruzadas de Bruxelas, se riram dos seus ideais de independência, e concluir, com a elegância de um carroceiro: "já não têm vontade de rir, pois não?" Lá está, a épica é semelhante à dos confrades das Terras Altas. O que faz com que facilmente nos sintamos identificados tanto com escoceses como com ingleses. Tão diferentes e tão iguais.
E, entretanto, nesta nossa aldeia que há muito deixou de resistir aos invasores, um secretário de Estado do Ambiente, com moradia e residência em Cascais, andava a sacar um subsídio mensal de alojamento no valor de 360 euros, o mesmo valor do empréstimo que paga, todos os meses, pela sua casa de férias em Tavira. O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Os escoceses têm a Sturgeon Bravehart, os ingleses têm o Farage dos Bosques. Nós temos Carlos Martins. Assim mesmo, sem cognome, para evitar chatices. A nossa história é capaz de ser menos arrebatadora, mas talvez seja mais barata.