Menos ministros, viagens em económica, a mesma maneira de passar férias. Três gestos que pretendem simbolizar uma ruptura com um passado recente, paradoxalmente jogando no mesmo campo em que Sócrates era acusado de ser mestre: a imagem. Na prática pouco ou nada muda. Mais ministros e menos secretários de Estado talvez não fosse mais caro e garantisse mais eficácia. As viagens em económica e as férias devem levantar tantos problemas de segurança que se arriscam a custar mais ao erário público. Medidas simbólicas. Revendo o que tenho vindo a escrever, o tema a que mais vezes voltei é, também ele, simbólico: um imposto especial, de solidariedade, como lhe fui chamando. O actual Governo, guloso, pegou no especial e deixou cair a solidariedade. No que eu propunha, tributaria apenas os rendimentos mais elevados, os super-rendimentos para os quais havia aventado o limiar mínimo de 250 mil euros. Para mim, as verbas recolhidas teriam um propósito solidário e poderiam ter uma ou mais instituições específicas como beneficiários. Tudo somado, juntar-se-iam uns poucos milhões de euros. Não resolvia nada. Era, tão-só, um sinal. Duplo: a verba era obtida à custa dos que mais ganham (não necessariamente os mais ricos, eu sei, mas são os que se conseguem apanhar!) e poderia ser canalizada para organizações concretas, dando ao contribuinte uma voz sobre o destino dos seus impostos.
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O imposto lá veio, especial, mas indiferenciado - para todos e para tudo. Défice oblige. A ideia da contribuição solidária, porém, não morreu. A discussão generalizou-se, ganhou conotações políticas distintas. A tributação poderia deixar de ser especial e o seu âmbito alargar-se. Noutras propostas, como a da tributação do património advogada por Miguel Cadilhe, a verba arrecadada já nada teria de simbólica, embora haja a preocupação de não alimentar a máquina estatal, abatendo directamente à dívida. Esse deveria ser um critério crítico quanto às receitas que se pudessem obter por via destes impostos: ou vão para funções de solidariedade social ou abatem à dívida.
No âmbito das preocupações com a função de solidariedade têm surgido, noutros países, algumas iniciativas que valeria a pena seguir e que poderão ser uma alternativa à tributação pura e simples: estou a falar da emissão das chamadas obrigações sociais, que poderiam ser compulsivamente subscritas por titulares de património e/ou rendimento acima de um certo patamar, e que seriam reembolsadas se fosse conseguido o objectivo para o qual se angariava o financiamento.
Como o comum cidadão, os ricos não gostam que lhes vão ao bolso. Invocam que já entregam metade dos seus rendimentos ao Estado. É muito. É de mais, por acontecer desde níveis relativamente baixos e, sobretudo, por abranger quase em exclusivo os rendimentos do trabalho. Se não houvesse sigilo fiscal (interessante que ninguém na esquerda se tenha lembrado desta proposta!), talvez tivéssemos algumas surpresas quanto ao ranking dos que mais IRS pagam: lá surgiriam os administradores das grandes empresas, mas não tenho a certeza de que os ditos ricos aparecessem perto do topo.
Em qualquer dos casos, importa não alimentar ilusões ou equívocos. Em Portugal queremos acabar com os pobres e não com os ricos. A mera redistribuição de riqueza ou rendimento podem ajudar à paz social mas não resolvem o problema de fundo. Aos ricos pede-se-lhes uma contribuição pontual mas, especialmente, que criem riqueza partilhável (criando empregos) e tributável. Serão capazes? Confesso que quando olho para a lista dos mais poderosos que o "Jornal de Negócios" vem elaborando, fico com dúvidas. Talvez nós não sejamos mesmo capazes de gerar a riqueza indispensável para termos um Estado social como o que edificamos. Andámos e andamos a iludir-nos? A social-democracia não é para nós. Será ao menos a democracia? Essa parece ser a menor das preocupações para alguns ricos que a gostariam de ver "musculada". Se estivesse no lugar deles, não brincaria com o fogo.