O sentido geral do Orçamento apresentado já era conhecido. As notícias (e o diabo) estão, sobretudo, nos detalhes. No todo, a novidade, de haver uma redução da despesa corrente e a continuidade do assalto ao contribuinte. O Orçamento é mau? É - o seu autor não dormiu bem quando definiu as suas linhas mestras. É verdade que, chegados onde chegámos, as alternativas não são muitas. As reestruturações demoram tempo a dar frutos. Como o Governo não as foi fazendo, a lista de cortes é extensa mas os efeitos reduzidos. Para se produzir um impacto substancial, no curto prazo, foi preciso cortar nos salários dos funcionários públicos. Era difícil ir mais longe, pelo que o cumprimento do objectivo estabelecido para o défice de 2011 requer aumento de impostos. Talvez não os que o Governo propõe, mas aumentos em qualquer caso. O PSD não percebeu isto a tempo e horas. Em consequência, ficou prisioneiro da posição quixotesca enunciada de não aprovar aumentos de impostos, simétrica da do PCP que tudo resolve pelo lado das receitas.
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Este artigo será publicado no dia em que os sociais--democratas anunciarão a sua posição. Estou convencido de que viabilizarão o Orçamento. Para não perder a face, imporão condições que, como diz Cavaco, melhorarão o Orçamento ou, na perspectiva do PSD, o tornarão menos mau. Os cintos e suspensórios que o ministro das Finanças usou na sua elaboração permitirão esses ajustamentos. Mais incentivos às exportações, ao investimento e à criação de emprego (eventualmente com redução da taxa social única). As deduções fiscais para os rendimentos mais baixos serão alargadas. Haverá mais alguns cortes na despesa, incluindo o adiamento dos investimentos em infra-estruturas. Tudo feito no meio de muitas, e duras, críticas para justificar a abstenção.
Não aprovar este orçamento seria desastroso. O drama, porém, não acabou. É preciso romper com a inércia que nos trouxe até aqui. Os sacrifícios são maiores por termos andado a adiar o que todos, com um mínimo de lucidez, sabiam ser inevitável. Por mais drásticas que sejam as medidas anunciadas, não tenhamos ilusões: o tratamento vai ser prolongado. Não foi impunemente que o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, pediu um acordo para os próximos seis anos. Se assim não for, se por razões meramente políticas, de gestão do ciclo político, se interromper a política de consolidação das contas públicas, a recaída será tanto mais dolorosa quanto o tratamento não será, por certo, administrado por nós, mas a partir do exterior.
O PSD andaria bem se manifestasse disponibilidade para esse acordo, explicitando metas que, uma vez atingidas, permitiriam aliviar os contribuintes ou os funcionários públicos, ganhando-os para esta guerra. Como andaria bem se subscrevesse a proposta da criação de uma comissão independente que acompanhasse a execução orçamental, impondo-lhe transparência e divulgando a evolução havida. Como dizia um colega meu americano "you need not just transparency but broadcasting". Não apenas transparência mas divulgação. Se isto toca a todos, é melhor que todos saibam a quantas (as contas) andam.