Há meses que não abria uma "revista" do semanário "Expresso". Mas a deste sábado incluía um ensaio do meu amigo Bruno Maçães.
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Fomos coevos no Governo de Passos Coelho, ele como adjunto do primeiro-ministro e eu com as mesmas funções na PCM. É das pessoas mais inteligentes que conheci nos últimos anos. "Estrangeirado", vê isto de fora para dentro, algo bem mais saudável do que estar aqui sempre a bater no ceguinho.
A "tese" central do ensaio é que a pandemia veio revolucionar, com a pausa forçada pela doença, alguns dos principais pressupostos em que assentava a economia mundial. Até agora, a "autonomia", o "poder próprio" e uma dinâmica interna auto-regeneradora faziam do capitalismo (é dele que se trata) um "organismo vivo" (Hayek) que "crescia" por si, que não era feito.
As principais teorias económicas do século XX, excluindo a marxista, concordariam nesta ideia de uma "inteligência natural" económica que, quando muito (Keynes), precisaria de uma afinação pública aqui e ali. Ora, escreve o Bruno, a pandemia veio mostrar que pode haver uma "inteligência artificial" associada ao funcionamento da economia e das suas "cadeias" essenciais, mesmo ao nível de uma nova "globalização".
Um outro "organismo vivo", ou uma outra "organização", enfim, uma outra resposta à "pausa" - não sabemos ainda se definitiva - na "interacção espontânea das unidades económicas individuais", na qual entra o Estado, através dos governos, ou de outras "grandes plataformas" que se aguentaram ou recriaram.
O papel da Internet é fulcral nesta "nova ordem," ou "mente colectiva", e as "resistências de interesses opostos" acabarão cooptadas ou ultrapassadas. Perdas na procura, na oferta, no emprego, no consumo? Com certeza. Entrámos, segundo o Bruno, na fase da economia como "o mais longo programa de computador do Mundo", tão manipulável quanto evolutivo, só não se sabe para e até onde.
Passou a ser razoável outra cibernética do "fim do Mundo": "a vida social pode ser reprogramada" e o "novo homem", tantas vezes sugerido pela ideologia, espreita. O Bruno conclui em tentativa de salvação do Mundo que podemos ter perdido. Ou seja, deixar a economia, e a tentação de "engenharia social", em paz.
E, sobretudo, assumir de vez que "o futuro não é dado". E muito menos programável, como ele sustenta, salvo num sistema totalitário. Por isso, o Conselho Europeu dos últimos dias pode não ter passado de uma imagem do que pode vir a ser a "Europa dos últimos dias". Um cadáver adiado sem programa de computador, longo ou curto, que a salve.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Jurista