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O que me choca não são os despedimentos. Posso comover-me e até recordar na pele os meus momentos difíceis. A vida é mesmo assim, as empresas ganham e perdem, às vezes caem com estrondo, declaram falência e há quem deixe de ter trabalho. Não é isso que me agita, é uma outra coisa. É o que vi ontem à porta da antiga fábrica da Coelima, nos arredores de Guimarães, o que observei à entrada da StampDyeing, nome que nos faz dobrar a língua para que as palavras sejam entendidas por patrões que já não conhecem ninguém. Aconteceu ali, mas também noutros lugares do Vale do Ave, noutras fábricas, na Polopiqué, na Ferreira de Almeida, na Tearfil, na Somelos. O que me abala é ver mulheres e homens à porta de lugares onde trabalharam uma vida, por quem se sacrificaram no melhor que tinham para dar, gente que facilitou nos turnos, que festejou os sucessos da empresa, que acreditou ser aquela a sua segunda casa... viu as imagens de ontem? Toda aquela gente a não poder entrar por as portas estarem presas com cadeados? Seres humanos para quem aquele lugar era parte de si, gente que viu os seus próprios pais e avós a sacrificarem-se por migalhas e pelo orgulho que tinham à empresa. Vi-os a chegarem das férias e a não poderem entrar por causa dos cadeados, como se fossem ladrões ou indigentes, como se tivessem de ser desmobilizados à bruta, como se não passassem de animais que vão à quinta comer galinhas indefesas. Terrível a falta de empatia. Reduzir os outros ao nada, ao menos que nada. Nojo.