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Há meio milhão de portugueses de coração nas mãos, num pobre país rico, dono das maiores reservas de petróleo do Mundo mas que, mergulhado no caos político e à beira de uma guerra civil, deixa o seu povo à míngua e à morte. Na Venezuela, cresce a violência nas ruas, degradam-se os indicadores sanitários, reaparecem doenças que estavam erradicadas e alastra a subnutrição. Há fome, sim, não tanto porque escasseiem alimentos, mas porque se quebraram cadeias de distribuição e a inflação atinge ali os 800%. São de portugueses a maioria das 7000 padarias do país, mas é preciso uma mão-cheia de desvalorizados bolívares, a moeda local, para comprar um pão.
O clima político e institucional venezuelano deteriora-se de forma dramática, com manifestações há 100 dias consecutivos, e muitos lusodescendentes temem o pior. Eles são o segundo maior contingente de portugueses na América Latina, logo depois do Brasil, na sua maioria originários da Madeira, mas também dos distritos do Porto e Aveiro. Nos últimos meses, quase 4000 regressaram a território nacional, obrigando o Governo da República e o Governo Regional da Madeira a preparar medidas de contingência e apoio aos que chegam e a precaver a hipótese extrema de um êxodo massivo.
A espiral de violência na Venezuela, que já custou mais de 90 mortos desde abril, ameaça agravar-se nas próximas semanas. Isto, depois de civis armados, alegadamente afetos ao regime, terem invadido esta semana a Assembleia Nacional e agredido e ferido várias pessoas, entre deputados e jornalistas. Sem apoio no Parlamento, onde a oposição é maioritária, e contra os pareceres do Ministério Público do seu país, o presidente Nicolás Maduro convocou para dia 30 uma assembleia constituinte que lhe permita alterar a Constituição e prolongar-se no poder. Em resposta, a Assembleia Nacional aprovou um plebiscito para domingo que vem, 16 de julho, para que os venezuelanos decidam se querem continuar a ser presididos por Maduro, o mal-amado herdeiro político de Hugo Chávez, que governou durante 14 anos, até à sua morte, em 2014. O que acontecer em torno da votação de domingo medirá as forças, tanto da oposição democrática como de Maduro e seus fiéis, entre os quais os comandos militares do chavismo que controlam 10 dos 30 ministérios e os sistemas de segurança interna. Quem diria, há 10 anos, com o preço do petróleo em alta, que a próspera "revolução bolivariana", inventada por Chávez, aplaudida por Lula e abençoada por Fidel, haveria de devorar os próprios filhos e, enfim, devorar-se a si mesma?!
* DIRETOR