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Agora que finalmente o poder político uniu esforços para combater uma das principais ameaças à segurança nacional e ao bem-estar da população, deve aproveitar a onda de escroque - perdão, choque! - para continuar a tornar Portugal grande de novo, resolvendo, um a um, os problemas estruturais que abalam as fundações deste país à beira mal plantado - à beira-mar, quero dizer.
Livrámo-nos das burcas, é certo, mas não de tantos outros dramas reais que afetam o dia a dia dos cidadãos e que urgem solução imediata. Um exemplo: quem vive ou trabalha no Porto sabe que um dos maiores obstáculos da cidade e uma das principais dores de cabeça para quem anda nas estradas é o trânsito - o tema esteve, aliás, presente na campanha autárquica de todas as candidaturas. E por isso lanço o apelo: aplique-se, sem medo, uma taxa especial para carruagens puxadas a cavalo na VCI, a ver se travamos finalmente os engarrafamentos causados por veículos do século XVIII nas horas de tonta. Ai, de ponta!
Mais: tornemos obrigatório o licenciamento para a construção de igloos no Algarve, onde o turismo balnear vem sendo ameaçado; aprovemos a demolição dos estádios da Luz e de Alvalade, usando os hectares disponíveis para construir mais casas e resolver o problema da falta de habitação na Grande Lisboa; e por falar em Lisboa, chegou a hora de penalizar com mão pesada a pesca de crocodilos no Tejo e taxar em força os consumos de água nas piscinas dos bairros de barracas da periferia. Possamos ir mais longe: numa altura em que se vai começando a ouvir aquela música da Mariah Carey que abre portas ao Natal e às luzinhas nas ruas, é tempo de o Parlamento dar luz verde à proibição de trenós puxados por cães - chega de huskies e neve até aos joelhos nas grandes cidades.
Mas não fiquemos por aí, porque Portugal não é só o seu prefixo e a capital: também o Interior se vê a braços com os próprios desafios impostos pela ruralidade. Regulemos por isso, para ontem, os duelos com espadas ao amanhecer, a ver se de uma vez por todas conseguimos travar aquela que já é uma prática descontrolada entre aristocratas de Bragança e estudantes de Coimbra. E, em Beja, faz falta uma lei do ruído que proíba barulho entre as 10 e as 18 horas, para não perturbar o descanso das oliveiras centenárias. Évora, por seu turno, respira aliviada: depois do fim das burcas, já se fala em controlar, a partir de janeiro, o transporte de camelos nas ruas que vão dar ao Templo de Diana.
Por fim, uma emergência nacional de norte a sul e ilhas: limitar o número de unicórnios e morcegos que cada família pode ter. Com especial fiscalização sobre os segundos: agora que o Parlamento aprovou um projeto de lei que visa proibir a ocultação do rosto em espaços públicos - medida que contou com pareceres negativos do Ministério Público e da Ordem dos Advogados -, a última coisa que dá jeito é outra pandemia. Máscaras só se for a tapar os olhos dos problemas reais das pessoas.

