Calma, é apenas um pouco tarde
Os resultados das eleições europeias do passado domingo devem ser lidos com cuidado. Generalizações precipitadas confundem em vez de esclarecer. Do lado positivo, há três coisas a registar. Estas foram as eleições efetivamente mais europeias de todas as que se realizaram até agora. Os grandes partidos europeus apresentaram-se como tais, de modo que, pela primeira vez, os eleitores puderam sentir que, consoante o voto nas listas domésticas, assim reforçavam a posição de uma ou outra das forças europeias. Cinco destas forças apresentaram previamente o seu candidato à presidência da Comissão. E o facto de os chefes de Estado e de Governo já terem endossado a candidatura mais votada, a de Jean-Claude Juncker, é um gesto que reforça a importância das eleições.
Depois, mau grado o recuo iniludível que sofreram, os grupos que subscrevem o projeto da integração europeia continuam a dominar claramente em Estrasburgo. Falo dos populares, socialistas, liberais e verdes, que têm visões naturalmente diferentes sobre o futuro da União Europeia, mas nenhum a quer destruir.
O terceiro resultado positivo foi o ligeiro aumento da participação eleitoral, em particular nos grandes países. Ligeiríssimo - e por isso é um resultado modesto. Mas, nos tempos sombrios que vivemos, todas as razões de otimismo, por mínimas que sejam, devem ser destacadas.
Por esta lista se verá que não compartilho a ideia de radical desinteresse dos cidadãos pelas instituições e a agenda política europeia. Neste aspeto, a Europa deu alguns pequenos passos na direção certa. Claro que a escala da crise que vivemos e a profunda imbricação entre as políticas domésticas e as europeias exigiriam um maior envolvimento. Ter mais pessoas a abster-se do que a votar, no conjunto das eleições europeias, é um bem fraco desempenho.
É, entretanto, muito perturbadora a progressão, em vários países espetacular, das forças chamadas eurocéticas e das forças extremistas. Mas os dois conjuntos não coincidem e seria um erro não o compreender. Até internamente são diversos.
Num sistema institucional tão cristalizado como o de Bruxelas-Estrasburgo, é útil a voz de forças eurocríticas, até pela pressão que coloca nas correntes hegemónicas. A crítica da orientação da Comissão e do Conselho é legítima e justificada. É preciso ouvir com cuidado e atender aos fundamentos das reservas dos cidadãos ao microcosmos de Bruxelas e respeitar e integrar a sua expressão política.
Por seu lado, tratar de extremistas os grupos das duas margens do hemiciclo de Estrasburgo não pode ser fugir ao problema real que colocam. Também a eles é preciso ouvir; e, para isso, deve fazer-se a separação entre todos os que, com ou sem verniz, querem destruir as bases de convivência democrática entre nações, credos e culturas, e os restantes. O combate sem quartel que é preciso dar aos primeiros pressupõe a capacidade de identificá-los e circunscrevê-los. E a relação face ao "estrangeiro" ("estrangeiro" no país, na classe, na cor da pele, na religião, nos valores ou na sexualidade) continua a ser o teste principal.
Desaconselho, pois, leituras primárias dos resultados eleitorais europeus. Elas alimentam o derrotismo (como vários disseram, o cavalo de Troia antieuropeu já teria conquistado o Parlamento) e a culpabilização radical do "sistema" (como também tanto se disse, a culpa seria só das vanguardas arrogantemente afastadas das populações). Ora, um e outra só favorecem a agenda extremista.
A Europa precisa de outra coisa. A isso voltarei, digo agora apenas o essencial. Os europeístas têm é de perceber que a crise em que estão não se resolve com a incorporação da agenda extremista, mas sim com a mudança efetiva das políticas austeritárias. Porque são estas que estão a destruir os alicerces do consenso democrático europeu.
Portanto, com licença do saudoso Manuel António Pina: "Ainda não é o fim nem o princípio do Mundo. Calma, é apenas um pouco tarde".
