O Congresso do PS tinha tudo para ser a afirmação pacífica de uma trajetória difícil mas ascendente e finalmente esclarecedora para os portugueses das alternativas de política e de governação possíveis para superar a crise. O 25 de Abril, mais propriamente a intervenção solene do presidente da República, alterou as circunstâncias e, agora, tudo, ou quase, depende do sangue-frio de António José Seguro para tentar evitar o mais possível que o Congresso acabe por parecer uma feira de barraquinhas em que a diversão maior seja a do "tiro ao Cavaco", expressão feliz que aqui recupero de um comentário do diretor da TSF, no fórum da manhã de ontem.
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É irrefutável que o discurso do presidente da República se tornou num alvo fácil de toda a Esquerda parlamentar. Apesar da competente análise sobre a realidade económica portuguesa e europeia e da corajosa chamada de atenção para o pós-troika e o facto de termos de nos governar com défices contidos até 0,5 por cento e dívida pública na casa dos 60 por cento do PIB, em conformidade com o tratado europeu que subscrevemos, Cavaco Silva exagerou quando circunscreveu a sua proposta de consenso à atual base política de governação do país.
Cavaco Silva pode, e deve, manter intactas todas as suas opções pessoais, como é evidente. Mas não pode, em circunstância alguma, a não ser de perigo iminente para a nação, fechar o quadro das alternativas ao ponto de o circunscrever a parte dos concidadãos que votaram em si e/ou votaram nos partidos que apoiam o atual Executivo.
Ao não ter conseguido evitar que essa fosse uma leitura possível do discurso que proferiu - e logo na sessão solene do 25 de Abril! -, Cavaco Silva acrescentou um grau de tensão ao ambiente crispado em que já vivíamos desde as decisões do Tribunal Constitucional que chumbaram parte do Orçamento do Estado, desencadeando da parte do Governo novas medidas de contenção da despesa conjugadas com o emagrecimento do Estado social.
A estas condições preexistentes e já de si propícias à agitação social, a leitura a que se deu o discurso presidencial acabou por abrir a porta a maior radicalização. Ao descartar a hipótese sequer de eleições antecipadas, mais do que reiterar a visão da sua própria relação com os partidos e a Assembleia da República, Cavaco Silva forneceu pretexto aos movimentos sociais, aos sindicatos e, por fim, às centrais sindicais para concluírem pela sua própria elevação à condição de "joker" de um jogo político bloqueado e incapaz de ultrapassar o regime de emergência social em que vivemos.
Depois dos problemas internos que ultrapassou, depois do reaparecimento de Sócrates (curiosa e premonitoriamente acusador para Cavaco), o novo e grande desafio de Seguro é o de não se perder da UGT nas pedras do seu caminho.