Camões pode esperar mais uns meses
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O tema não é novo, mas não pode cair no esquecimento: em maio de 2021, foi nomeada uma comissária - Rita Marnoto - para liderar as comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões. Dois anos e sete meses depois, foi preciso que a responsável viesse a terreiro lamentar-se de não ter sido contactada por nenhum organismo competente, para alguma coisa acontecer. E o que aconteceu não foi agendar, de imediato, o programa comemorativo. Foi nomear mais um grupo de trabalho para que, agora sim, o processo avançasse. Confuso? Também, mas sobretudo inacreditável.
Este triste folhetim teve, como epílogo, o vazio total de referências ao símbolo maior da língua pátria, no último 23 de janeiro, data em que se cumpria o famigerado 500.ºaniversário. Zero manchetes de jornais, zero reportagens, zero iniciativas. Nem o instituto público com o nome do poeta - que, de resto, tem por missão promover a língua portuguesa - se dignou a assinalar com dignidade a efeméride, limitando-se a uma insignificante nota nas redes sociais sobre, pasme-se, a exposição de um original d’Os Lusíadas levada a cabo...…pelo Município do Porto. Curiosamente, nas páginas do Instituto Camões não faltaram menções, em janeiro, a aniversários de ilustres já desaparecidos, no caso específico o de Paula Rego e de Vergílio Ferreira.
Não é possível colocar a hipótese, já sugerida, de que esta omissão se deveu aos complexos ideológicos vigentes ou à sanha dos zelotas do costume contra os símbolos nacionais. Seria mau demais, para ser verdade. Prefiro acreditar na tese da total incompetência dos ministérios da Cultura e dos Negócios Estrangeiros, que não só se esqueceram da comissária por eles próprios nomeada, como nem um euro colocaram para este efeito no OE 2024.
Esta é, também, a imagem de uma administração pública desmultiplicada em organismos, institutos e comissões, mas que funcionam numa lógica hermética, sem cultura de serviço público e avessa à prestação de contas. Bastava, no que ao quincentenário de Camões diz respeito, olhar para o que Espanha fez, há pouco tempo, nos 400 anos da morte de Cervantes, e constatar a verdadeira promoção global à língua castelhana que o programa representou. Por cá, resta-nos esperar que, lá para junho, alguma coisa de facto aconteça.