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Sim, por causa dos efeitos da recessão, continuam a ter razões para manter o semblante carregado, mas os vários milhões de portugueses incapazes de poderem pagar a subscrição de televisão por cabo acabam de receber uma boa notícia: talvez já em setembro terão ocasião de ver o Canal Parlamento!
Exagero? De modo nenhum.
O anúncio pomposo da introdução da Televisão Digital Terrestre (TDT) nos primeiros meses deste ano serviu para retirar a hipótese de entretenimento a populações isoladas e sem posses para disporem de umas dezenas de euros para continuarem a ver os quatro canais que lhes entravam pela casa dentro (RTP1,RTP2, SIC e TVI). A TDT que lhes impuseram é pobretanas, ao nível da da Letónia e da Estónia, está a léguas da difusão gratuita dos 45 canais acessíveis no Reino Unido, os 39 da Itália, os 35 da Alemanha, os 27 da Espanha, os 17 da Grécia - já agora -, mas, enfim, nada como confiar no fim do espartilho. Até aqui a TDT serviu apenas para pagar uma caixinha; em breve abre-se, então, uma alternativa mais às desgraças dos telejornais do costume e ao choradinho das telenovelas.
O povo terá, por fim, a possibilidade de seguir de perto a atividade dos senhores deputados da Nação sem lifting editorial!
Agora é que vai ser! A decisão tomada por unanimidade pelos grupos parlamentares, e já alvo de publicação em Diário da República, tem múltiplas virtudes. Uma delas passa por obrigar alguns elementos da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) a engolirem os trejeitos de uma importância que não têm e os levava a acenar com a necessidade de o Parlamento que os elegeu a prestar-lhes vassalagem; a outra é a do vinco de uma maior transparência.
A abertura do Canal Parlamento não dá só mais algum sentido(zinho) ao potencial da TDT a que obrigaram os portugueses de menores posses; também implicará um melhor conhecimento dos senhores deputados pelo povo.
Há quem veja no escancarar do Parlamento aos descamisados de Portugal um enorme risco de teatralização excessiva dos deputados. Discorde-se dessa análise. Afinal, para além de tudo, a transmissão das sessões do Parlamento, incluindo as de várias comissões, permitirá a todos avaliar melhor o potencial dos seus representantes.
Em breve a chicana política, a falta de educação, a pobreza franciscana do debate, o bota-abaixo, a cegueira, os pontapés na gramática, a improdutividade e a pirueta oportunista serão mais simples de avaliar. Já agora: a acutilância serena, a cultura, a coerência e elevação da exposição e a defesa de princípios terão também hipótese de exame mais justo.
O Canal Parlamento é, pois, muito bem-vindo ao universo televisivo do país de poucas posses. Assim como assim os senhores deputados e todo o colorido parlamentar estarão mais perto de confirmar ou desmentir a ideia maioritária dos portugueses: a de que lhes falta pedigree. As exceções, obviamente, confirmam a regra.