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Esta semana, num jantar cá em casa, passou na televisão uma promoção da final dos “Casados à primeira vista”, o reality show da SIC, e um dos convivas saiu-se com um "Pá, mas quem é que vê isto?". “DESCULPA?!” Passei-me da cabeça. Virei a mesa ao contrário, peguei na tenaz da salada, subi para a cadeira e comecei: "EU VEJO! E QUÊ? E QUÊ? NÃO PERCO UM JANTAR, UMA CERIMÓNIA, UM DIÁRIO. ACOMPANHO TUDO O QUE POSSO, OS CONCORRENTES, OS FAMILIARES DOS CONCORRENTES, A TUCHA, E SÓ NÃO ACOMPANHO A SENHORA QUE APARECE PARA DIZER 'O JANTAR VAI SER SERVIDO' PORQUE AINDA NÃO DESCOBRI O INSTAGRAM DELA". Sim, descontrolei-me um bocado. A própria Uber deve ter ficado intrigada porque é que naquele minuto houve um pico de afluência na aplicação de pedidos de carro para sair daquela morada especificamente. Mas quer dizer, não me venham com superioridades intelectuais. Tensão entre potências nucleares Irão, Estados Unidos e Israel, genocídio do povo palestiniano, guerra na Europa, tudo isto é terrível e urgente, sim, mas só depois da final que vai passar hoje em direto depois do jantar.
É que, agora, que chegamos ao fim de mais uma edição, podemos tirar conclusões. Salvo raras exceções, podemos dizer que há um padrão: os homens quando casam têm a atitude de quem namora há dois anos e meio com aquela mulher que acabaram de conhecer mas que, se lhes perguntassem qual a cor dos olhos da noiva, diriam uma ao calhas. As mulheres que entram na experiência vêm com o capricho de conhecer um desconhecido. Depois, durante meses, acompanhamos a vida de meia dúzia de casais a desentenderem-se e a passarem pela terapia de casal em que o problema é sempre o mesmo: falta de comunicação. Quem diria que duas pessoas totalmente desconhecidas, de backgrounds completamente diferentes, teriam problemas em fazer-se compreender em quinze dias. É giríssimo porque, no fundo, é como nós quando achamos que o nosso amigo é perfeito para apresentar àquela amiga que está solteira há uns anos e os pudéssemos casar e vê-los 24 horas por dia a trocarem graves acusações como "Ela pede entradas ao jantar e, para mim, entradas é quando entro pela porta do restaurante" ou "Somos incompatíveis porque na lua de mel ela tirou fotografias a flores que tanto podiam ser no Nordeste brasileiro como na Estufa Fria em Lisboa".
O meu fascínio com este programa não é de agora. Atenção, eu sou absolutamente contra a cultura de casamentos arranjados, a não ser que esteja uma câmara a filmar, a Diana Chaves a perguntar à sogra se acha que a filha vai gostar do noivo e um coach a fazer matches porque "és personalidade tipo 6". É um formato arrebatador. Eu sou do tempo do Dave que casou com a Eliana, do Tiago Jaqueta que traiu a Dina na lua de mel em Cabo Verde, com uma mulher russa que conheceu no resort e que depois, na sua última cerimónia, ficou a saber-se que ele andava com as cuecas da ex-namorada na mochila. Eu vivi a história da Graça e do Conde e a da Dulce, que se parece imenso com a Amália Rodrigues, e do João que era de Chaves e que tinha uma discoteca em casa. Eu não desliguei quando o Francisco viu os convidados da Elisabete a chegar e fez comentários classistas repugnantes e vibrei quando a Elisabete chegou ao altar e pensou que se ia casar com o saxofonista que foi contratado pela produção para tocar à entrada da noiva. Eu puxei várias vezes para trás a cena da lua de mel do Flávio, "o riquinho", e a Alexandra, a "Xaninha", em que esta dá uma cambalhota na rede e na outra em que o Flávio, num passeio de barco no Brasil, se borra todo a meio da viagem devido ao marisco que comeu ao almoço. Atenção: eu faço parte da equipa do “Isto é gozar com quem trabalha” e a minha excitação maior ao domingo à noite é com o programa que passa depois.