Carlos Lage, preso político em Moçambique (1968-1973)
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Com as suas reportagens sobre as atrocidades da PIDE/DGS em Moçambique, saídas no "Público", a investigadora Maria José Oliveira deu a estocada final no cómodo embuste de uma colonização suave, ainda tão alapado na psique nacional. A nossa indiferença quanto à sorte dos moçambicanos que hoje fogem ao terror jiadista, em Cabo Delgado, é a prova de uma obstinada irresponsabilidade histórica.
Do assassínio e da tortura praticados com abismal sadismo às rotineiras execuções por inanição, nenhum dos horrores aí descritos me é estranho, já que o meu pai, Carlos Lage, foi prisioneiro da PIDE durante cinco anos, quatro dos quais na cadeia da Machava, por ser o alegado líder de uma conspiração de militares que visava tomar o depósito militar da ilha da Xefina, junto a Lourenço Marques, libertar os presos aí existentes e forçar negociações com a FRELIMO. Acusado de "ser inimigo da política ultramarina do Governo português", foi um alferes exemplarmente rebelde. O seu amor pela livre discussão política suplantava qualquer precaução. Metade da pena cumpriu-a no isolamento, numa cela de 3x3 metros. Na Machava, fez amizade com os padres espanhóis de Burgos e com os padres do Macúti, também prisioneiros. Um destes, Fernando Marques Mendes, relata que, em 1972, a PIDE decidiu matar 29 presos por privação de alimentos. Salvaram-se alguns porque o meu pai, correndo graves riscos, passou a lista dos seus nomes aos ditos padres, os quais a fizeram chegar à Cruz Vermelha Internacional.
Carlos Lage, hoje com 81 anos, viveu uma vida alegre e convivial, inclusive no plano político, mas viveu-a a crédito dos esqueletos e fantasmas da Machava, onde centenas de pessoas morreram às mãos da PIDE.
Maria José Oliveira omitiu o seu nome na peça sobre a Machava (27-07-2025). Dir-se-ia que o facto de um alto quadro do PS - que viria a ser relator final da Constituição de 76, com Vital Moreira e Jorge Miranda - ter penado tantos anos nesse campo de morte é um dado banal, corriqueiro, na história da nossa democracia (já nem falo na história do PS...). A investigadora estará segura da justeza dos seus critérios. Sou igualmente cioso dos meus e pesar-me-ia na consciência calar este magro detalhe do colonialismo à portuguesa, afinal tão horrífico quanto os demais.