A mobilidade suave veio para ficar. Gostemos ou não, o futuro das deslocações terá de obedecer a outras regras, conciliando a tecnologia, as energias limpas e a necessidade irreprimível de não perdermos anos de vida no trânsito. Mas esse mantra que enche a boca de gestores urbanos, políticos e demais pensadores das cidades não pode ser implementado de forma autoritária, e muito menos automática, porque a realidade social, cultural e económica portuguesa não é a mesma dos países nórdicos, onde até para realizar serviços fúnebres se recorre à bicicleta.
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O carro é visto como o inimigo número um por quem agita soluções rápidas para os graves problemas de mobilidade e por essa razão o debate fica inquinado à partida. O fundamentalismo de quem quer varrer a malha urbana a ciclovias torna-se num exercício ineficaz, na exata medida em que ainda vamos continuar a depender do automóvel durante muitos anos. Provavelmente, será um veículo mais partilhado, totalmente elétrico, com outras funcionalidades.
Ora, chegados aqui, fazemos o quê? Buzinamos na VCI e na Segunda Circular todo o santo dia, plantamos dezenas de radares para amedrontar esse predador de quatro rodas, carregamos nas multas, inventamos novas portagens? No fundo, reprimimos o uso do automóvel usando uma tática meramente passiva ou guiamos a discussão, e os hábitos, noutros sentidos? Porque é de hábitos que falamos.
Vejamos o exemplo do Porto, onde o trânsito está ainda mais insuportável do que na pré-pandemia. É verdade que para isso contribuem uma série de fatores (com a nova empreitada do metro à cabeça), mas o que esta realidade nos demonstra é que a calmia foi possível quando se mudaram os hábitos. E isto vale para qualquer grande cidade. Horários de entrada e saída desfasados seria um bom ponto de partida para uma reflexão séria e realista, num esforço que unisse municípios, Estado central e empresas. Ganhávamos todos.
O carro é um tremendo empecilho à mobilidade? É. Mas a revolução verde terá de ser feita em colaboração com os seus utilizadores e com a indústria. Era tão bom que as cidades portuguesas fossem como Copenhaga, onde 60% dos cidadãos usam a bicicleta todos os dias. Mas Portugal não é a Dinamarca.
*Diretor-adjunto