Ser macambúzio é um dos traços gerais do ser português. A esmagadora maioria nunca assume estar bem, nem que seja só da cabeça; prefere assumir um tristonho "vamos andando". Se e quando dispõe de indicadores auxiliares para fazer eco do seu pessimismo (e maledicência) tanto melhor. O tradicional relatório bianual da OCDE ontem conhecido é, por assim dizer, uma parte fundamental para fortalecer a visão do copo meio vazio da sociedade portuguesa. Os indicadores revelados são, todos eles, paradigmáticos de como o baixo astral nacional já não é só uma consequência genética - sente-se mesmo no deteriorar permanente das condições de vida de milhões de cidadãos.
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O estudo da OCDE parte de um diagnóstico realista - estávamos "mal preparados para as consequências sociais da crise" - e retrata o agudizar das vulnerabilidades pelos sucessivos cortes cegos no Rendimento Social de Inserção, no subsídio de desemprego, no abono de família e por aí fora. A redução de despesa nos apoios sociais, não obstante o batalhão de desempregados entretanto formado, traça do país uma radiografia confrangedora e cujo resultado será dificilmente inalterado pela reivindicação pura e dura de mais e mais apoios - legítimos e necessários, pois claro, mas para os quais é necessário estabelecer prioridades organizacionais da sociedade. Intrincada questão quando Portugal ocupa das primeiras posições de desconfiança dos povos da OCDE sobre os governos e outras instituições.
Não se limitando à mera retórica, o pessimismo - o tal copo meio vazio - não ajuda nada.
E daí?
O relatório da OCDE merece, com certeza, toda a ponderação. Mas o mundo não pode gravitar apenas em torno das más questões.
Um pobre, por muito pobre que seja, tem o direito a sonhar. Se assim não fosse, não seriam as revistas cor-de-rosa tão consumidas pelas classes mais baixas, mostrando o interior luxuoso de mansões e vestidos compridos de senhoras talhadas pelo fútil.
Haja, então, algo de mirífico para os mais desabonados.
Espantemo-nos: em Fevereiro Portugal foi o país da Europa no qual mais aumentou compra de automóveis novos, com uma subida de 40,2% em relação ao mês homólogo de 2012. Em 28 dias venderam-se 10.541 automóveis!
Eis-nos, então, perante a possibilidade de ver o país segundo o copo meio cheio. Mas com uma desconfiança legitimada.
O problema não está no aumento do poder aquisitivo de uns quantos. Está na capacidade de o País ser capaz de proceder a uma distribuição razoável da riqueza produzida.
Mais carros vendidos não será necessariamente um bom sintoma sempre e quando as mais-valias estiverem direcionadas para os mesmos bolsos de sempre.