Tenho uma grande admiração pelos alemães; pelo seu esforço no pós-guerra, pela forma extraordinária e generosa como fizeram a reconciliação entre o ocidente democrático e o leste comunista, e pelo êxito que tiveram na construção de uma sociedade livre, tolerante, culta e trabalhadora.
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Percebo que olhem com desconfiança o que se passa no sul da Europa. Afinal, como formigas esforçadas que são, fizeram sacrifícios no Inverno e poupanças no Verão, e é-lhes inconcebível que alguns dos seus parceiros europeus, que são mais pobres, se tenham sempre comportado como incorrigíveis e impenitentes cigarras.
Ainda assim, o milagre económico alemão deve muito ao projecto europeu. O sucesso da reunificação contou com a solidariedade dos parceiros europeus, tal como o alargamento da União Europeia a leste que recentrou a posição geoestratégica da Alemanha, afastando-a da fronteira, e permitindo-lhe que alargasse a sua esfera de influência, reforçando a sua segurança interna e a sua economia.
Por outro lado, a Alemanha foi um dos maiores promotores do euro e obteve da moeda única um benefício directo. Assegurou a competitividade das suas exportações industriais e tecnológicas ampliando o seu mercado ao garantir aos seus parceiros o acesso a uma moeda que, por exemplo no caso de Portugal, tinha uma paridade excessiva.
Só que esse interesse das formigas contribuiu, também, para encorajar as cigarras a não mudar de vida. E agora que as consequências dessa ilusão estão à vista, as formigas não se podem dissociar dessa responsabilidade. Por muito que lhes possa parecer injusto, a verdade é que a morte súbita das cigarras, que patrocinou, levaria à decadência do seu laborioso formigueiro.
Hoje, e por muito que se queiram emendar, os estados periféricos sofrem ainda dos efeitos da crise financeira que varreu o Mundo e que atinge as suas dívidas soberanas e economias. Certo que, em grande parte, isso se deve à inacção dos seus políticos que tardaram a agir, mas também é consensual que a sua condição de periferia implica fragilidades que demorariam sempre mais tempo a ser vencidas, mesmo que as políticas correctas tivessem sido implementadas. Ora, numa situação em que esses países estão na moeda única, e não podem fazer ajustamentos através da desvalorização da sua moeda, essas políticas só serão possíveis se lhes for garantido o acesso ao crédito em condições aceitáveis, e se não forem obrigados a tomar medidas que, por excessivas, terão um efeito recessivo nas suas economias e consequências políticas e sociais muito perigosas, num continente que tem uma triste história de crises semelhantes.
Por isso, não me incomoda, nem me aflige, que a amiga alemã de quem falo tenha opiniões sobre os nossos assuntos internos, porque esse é o direito de qualquer credor, mas gostaria que reflectisse sobre esta realidade. O sucesso do projecto europeu, com a sua dimensão que transcende a economia, é a única via para que a Europa não definhe face aos outros grandes blocos, e tornar-se-á impossível se a Alemanha não compreender o limite dos sacrifícios que podem ser impostos a países como Portugal. E, numa altura em que as agências de "rating" pairam como abutres sobre Portugal, esperando que o país sucumba por obra e graça das suas rentáveis e interesseiras profecias, é indispensável que a Alemanha compreenda as consequências do que está a suceder. É que Portugal não passa de um dano colateral, numa guerra em que a Alemanha e o projecto europeu são os grandes alvos a abater.