Carta aberta a Michel Platini
Caro Michel Platini, li recentemente as tuas declarações à agência EFE, em que defendes que a Bola de Ouro, que premeia o melhor jogador do Mundo, deve ser entregue a um jogador da equipa campeã do Mundo, a Alemanha. Sei que abandonaste o campo há já muitos anos e que poderás não ter a noção do que é, hoje, marcar 20 golos em 12 jornadas do mais competitivo campeonato do Velho Continente, como o fez um dado jogador que dá pelo nome de Cristiano e que não é alemão. Parece, também, que já não recordas a diferença entre o jogador e a equipa. Assim, resolvi escrever-te para te dar uma pequena ajuda.
Corpo do artigo
Por que razão achas que não existe um prémio anual e um júri para a escolha da melhor equipa de um país, de um continente ou do Mundo? A resposta é mais do que óbvia. É que essas distinções são decididas pelos campeonatos respetivos, algo natural na medida em que o futebol é uma modalidade coletiva. É simples, Michel, as equipas, representando clubes ou nações, inscrevem-se, subscrevem um regulamento, competem num campeonato e, no fim, está encontrada a melhor. Assim se chega ao clube campeão da Alemanha, da Argentina ou de qualquer outro país, ao clube vencedor de ligas continentais, à seleção campeã da Europa, de África ou de qualquer outro continente ou à seleção campeã do Mundo. E isto acontece para diferentes escalões etários e também para os géneros masculino e feminino. É a lógica da coisa.
Ora esta organização clássica parece criar alguma confusão na tua cabeça, Michel. As tuas declarações ao longo dos últimos anos fazem-me crer que confundes duas entidades que, sendo nucleares na organização da modalidade, são por natureza bem diversas: o jogador e a equipa. Para quem foi jogador de futebol, por sinal de bom nível, esperaria de ti um melhor entendimento da matéria. Mas, insisto, estou aqui para ajudar.
Vejamos, então. Uma equipa é uma combinação de jogadores, onze em campo mais uns quantos suplentes, que joga o jogo contra outra equipa e de acordo com um conjunto de regras, cujo cumprimento é garantido por uma terceira equipa, a de arbitragem. A qualidade dos onze jogadores é, reconhecidamente, relevante para o sucesso da equipa. Mas também é importante a forma como se organizam em campo, aquilo a que os entendidos chamam "sistema tático", e as metamorfoses, planeadas ou espontâneas, que operam nesse sistema ao longo de cada jogo e durante os campeonatos. Porque esta dimensão conta (e de que maneira!), os clubes procuram os melhores treinadores que a sua bolsa pode suportar, não confiando o sucesso apenas ao talento dos jogadores. Ou seja, não confundem jogadores com equipa.
É por tudo isto que há um ano, no apuramento para o Mundial de 2014, a tua França foi derrotada por 2-0 por uma Ucrânia constituída por jogadores bem mais modestos que os teus compatriotas. Foram mais equipa! Ou que, num recente particular, a mesma França tenha vencido o meu Portugal, apesar deste dispor do melhor jogador do Mundo. Não chegou o talento individual!
ABola de Ouro é um prémio que visa, justamente, consagrar a diferença entre equipa e jogador, distinguindo o praticante que melhor executa, nas suas dimensões técnica, física e tática. Portanto, Michel, não adianta insistires nesta ideia peregrina de que a Bola de Ouro deve ser entregue a um jogador da seleção campeã do Mundo.
Mas vamos ao que interessa, Michel. A explicação que expus nesta carta é apenas uma forma racional de te chamar a atenção. Uma espécie de prefácio. O que te quero mesmo dizer, para além de relevar o ridículo da tua abordagem, é que é inadmissível que o dono da cadeira maior da UEFA tenha o desplante de, uma vez e outra, manifestar publicamente a sua preferência relativamente a uma escolha que tem um procedimento próprio e que deve estar livre de pressões deste tipo. O cargo que ocupas requer neutralidade e equidistância, algo que pareces esquecer com alguma regularidade.
Dizem as más-línguas, Michel, que estás apostado em que o Cristiano Ronaldo não acumule mais Bolas de Ouro. Que tens dor de cotovelo. Outros dizem que queres ir para a FIFA e que, para isso, sempre é melhor agradar a alemães do que a portugueses. Coisas que se dizem, mas eu não quero acreditar!