Corpo do artigo
Caros colegas rappers e músicos, atores e humoristas, apresentadores e radialistas, desportistas e criadores de conteúdo digital, homens com influência, admirados pelo público e que se importam, empatizam e estão solidários com as mulheres.
Querendo acreditar que vocês ainda estão em maioria e que as minhas palavras encontrarão eco nas vossas consciências, escrevo para apelar à vossa participação ativa na luta contra a misoginia declarada, promovida por homens como vocês, junto de adolescentes e jovens altamente influenciáveis.
Estes gurus da masculinidade tóxica promovem o ressentimento dos jovens, fazendo da liberdade das mulheres a suposta causa dos seus insucessos e frustrações. São homens perigosos que, aproveitando-se das inseguranças destes adolescentes, promovem discursos de ódio que vilanizam e desumanizam as mulheres, ao ponto de legitimarem atos de violência, controlo e abuso sexual.Querem ganhar à custa deste exército de jovens ressentidos, incitar à violência e fazer retroceder os direitos e liberdades duramente conquistados pela luta feminista. As consequências desta lavagem cerebral já são visíveis na “vida real” e, como podemos ler todos os dias nas notícias, a situação é preocupante.
Num país em que já tínhamos números chocantes de violência doméstica e uma falta de condenação real dos crimes de violência sexual, é especialmente grave que, entre as camadas mais jovens, ainda se promovam, ideológica e declaradamente, este tipo de crimes.Mal vimos a ponta do icebergue e todos os estudos indicam que as próximas gerações de rapazes (criadas com Youtube e pornografia desde uma idade muito precoce) tenham tendência a ser mais sexistas, conservadoras e próximas da agenda da extrema-direita.
Posto isto, faço o apelo para que a vossa influência seja parte da solução. Cabe a homens como vocês mostrar que a masculinidade não tem de ser violenta ou predatória, que há muitos outros modelos possíveis, livres da imposição da virilidade brutal e competitiva. Cabe-vos mostrar que os direitos e as liberdades das mulheres não competem com os vossos e que uma sociedade menos sexista liberta também os homens. Cabe-vos aproveitar a vossa visibilidade para serem aliados na luta contra a violência de género.
Não queremos a vossa proteção, dispensamos príncipes em cavalos brancos, queremos antes a vossa solidariedade, o vosso empenho, o vosso posicionamento, ou seja, que façam o mínimo, o básico, o óbvio, que é estar do lado da igualdade, da justiça e dos direitos humanos.Vocês têm o poder de ditar o que é “cool”, de definir tendências, esgotam salas, enchem estádios, são os mais ouvidos, os mais admirados, os mais celebrados, tenho a certeza de que podem fazer mais do que têm feito. Acreditem, o vosso silêncio tem sido ensurdecedor e metade do vosso público já reparou.