<p>O processo de salvamento pode ser mais difícil do que o da morte, podendo traduzir o que se chama "milagre" (...) mas o avanço dos cuidados paliativos é uma boa alternativa à morte assistida.</p>
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A"eutanásia", ou "morte boa" destina-se, em teoria, a acabar com o sofrimento de quem (não tendo cura) está apenas reduzido à tortura, no último fio da sua vida. Costuma distinguir-se entre eutanásia voluntária, pedida conscientemente por quem morre, ou executada pelo próprio, com ajuda (o que às vezes se designa de "suicídio assistido"), e a eutanásia involuntária, urdida por terceiros, na presunção do desejo da pessoa que morre, ou substituindo-se a ele.
Temos a eutanásia passiva, que consiste na administração de substâncias, ou a execução de práticas, de "efeito previsivelmente duplo", isto é, que podem aliviar o sofrimento, mas também matar, a eutanásia não activa, que se traduz no corte ou suspensão dos sistemas de apoio vital (por exemplo, o ventilador), e a eutanásia activa, que empenha um agente exterior na terminação, propositada e planeada, da vida do doente.
A eutanásia pode traduzir dilemas económicos e médicos. Pode ser provocada pela tentativa de uma família se ver livre de encargos, face a prolongados custos hospitalares do moribundo. Pode ser a única solução humana, se o tratamento defeituoso, ou sem meios, agravar, de forma cruel, o sofrimento natural do doente.
Quem já passou por situações extremas (é o meu caso), com familiares às portas da morte, ficará sempre com um pensamento, que associo à figura jurídica do "bom pai de família", mas também ao fenómeno misterioso do amor: se um médico, num dia cinzento, lhe perguntar o que fazer ao ente querido, que se esvai, há-de dizer-lhe "todos os possíveis e os impossíveis para o salvar".
Muitas vezes, o processo de salvamento pode ser mais difícil - muito mais difícil - do que o da morte. Mas pode produzir o que, nas religiões, se chama "milagre". Também sou testemunha disso.
Por outro lado, o avanço técnico dos cuidados paliativos é uma boa alternativa à morte assistida.
Há ainda o suicídio com ajuda. Compreendê-lo não significa apoiá-lo. O juramento de Hipócrates falava disso, plenamente. O facto de ter caído em desuso não fez caducar o princípio.
Por fim, a determinação do que é vida "útil" e "digna" pode carecer de critério objectivo, para além da moral, da ética e da religião. E possuiu, historicamente, excessos monstruosos.
Em 1 de Setembro de 1939, Adolf Hitler escrevia uma determinação do chanceler, que tinha esta passagem:
"O director do Reich, Bouhler, e o dr. Brandt serão responsáveis pela autorização alargada, conferida a médicos a designar, de forma a que doentes considerados incuráveis (pelo melhor juízo humano disponível sobre o seu estado de saúde) possam beneficiar de uma morte piedosa".
Philipp Bouhler era o encarregado da Chancelaria, e Brandt o médico pessoal do Führer. Presidiam à da GSHA a Fundação para o Bem-Estar e o Cuidado Institucional. Sob o pretexto da "morte humana", e da "dignidade no fim", executaram um dos programas mais revoltantes (que chegou a amotinar as próprias massas do Partido Nacional Socialista) de extermínio de "incuráveis", onde morreram (como foi determinado em tribunal militar internacional, em 1946) 275 mil pessoas.
O corajoso juiz Lothar Kreyssig, confrontado com este projecto, conhecido como Acção T4, declarou a sua ilegalidade, pois o mesmo baseava-se, não numa lei ou decreto, mas numa carta secreta de Hitler.
Foi substituído, sob o argumento de que, se não reconhecia a vontade do líder como fonte de direito, não merecia ser magistrado.