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Estou aqui a ler uma notícia da semana - nesta mesma secção Justiça do JN - e já a pensar que isto dava um filme. Conta-nos o repórter Alexandre Panda com o fresquíssimo título: "Família de Gaia burla centenas de pessoas em 870 mil euros com SMS fraudulentas." E lá vamos nós, surpreendidos: "Organização liderada por jovem usava falsas páginas de Internet do Banco de Portugal, da Caixa e do Novo Banco". E como? Leio a notícia, que aliás tem servido para mostrar a importância da campanha da Associação Portuguesa de Bancos, "Não passes cartão à fraude":
"A partir de uma discreta vivenda de Pedroso, em Gaia, um jovem, hoje com 24 anos, montou uma organização criminosa familiar dedicada à burla online em massa. Com a companheira, o irmão, o pai, a mãe e a avó, além de uma prima, enviaram milhares de mensagens fraudulentas destinadas a obter códigos de acesso de contas bancárias, através de falsas páginas de Internet de instituições bancárias. (...) De acordo com a acusação, todos os familiares, à exceção da avó, residiam na vivenda de Gaia." Bom, a fazer-se o filme, eu punha a avó a viver lá e a cozinhar para todos enquanto estes aldrabavam ao telefone e nos teclados, e não só, talvez até se concluísse que o verdadeiro cérebro do grupo, a, por assim dizer, génia informática, era a própria velhinha, mas aqui está um belo exemplar de outros casos que tenho encontrado em tribunal e que se vão multiplicando como térmitas na madeira.
Só este ano, vi uma senhora que, nem tendo Internet, recebeu no seu cartão bancário e levantou várias centenas de euros do pagamento de uma bicicleta vendida pela internet e que nunca chegou ao comprador. Mas a dona do cartão jurava que nunca tinha mexido no cartão. Até se zangou com a juíza.
- Sotora, há provas contra mim?! Eu não sei se me roubaram, se perdi o cartão!
- Mas estes levantamentos foram feitos pelo seu cartão.
- Se foi levantado da minha conta, há câmaras? Eu não levantei!
Essa manhã acabou com uma conversa exemplar que tive com a advogada da própria acusada, no corredor do tribunal. Eu colocava a hipótese de um familiar da arguida a ter metido num esquema fraudulento sem sua autorização.
- Esta senhora sua cliente foi enganada por outros?
- Ahhh... Não, infelizmente. Ela sabia.
- Isto envolve outras pessoas...
- Sim, já são esquemas muito elaborados.
E lembrei-me ainda da outra senhora que recebeu uma mensagem aflita do filho, olá mãe, estou aqui com uma dificuldade inesperada, este telemóvel nem sequer é o meu, o meu encravou, podes enviar-me agora mesmo algum dinheiro até que eu... manda-me, mãezinha, 1270 euros para este número que eu já te explico.
Era burla. Mas não era garantido que o casal acusado acabasse condenado, porque eles diziam que o dinheiro lhes tinha ido parar à conta sem mais nem menos, pois não mandaram mensagem olá mãe, olá pai (foram outros). Querem elaborar mais? Há dias, vi um casal de Minas Gerais, a viver na Grande Lisboa, que foi acusado de branqueamento. Uma transferência bancária de quase cinco mil euros. Dizia o homem que estava desempregado, com a renda para pagar, e tinha conhecido numa festa uns tais Artur, Mateus e Andrei. Então, entregou o cartão bancário da namorada, mais o acesso à aplicação internet dela, receberam o dinheiro na conta, levantaram-no, entregaram-no mas ganhou "percentagem" de 600 euros. E agora ali estava ele, e a namorada, zangados mas juntos no tribunal.
- Eu não sabia que era coisa burlona. Pensava que era o valor de uma obra que ele tinha feito, disse o homem.
Está bem, está... bela obra, roubar os outros. Também nos crimes feitos em casa com a família nos estamos a elaborar.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia