"Have you lost your freedom?" A pergunta de Adam é provocatória, no final da visita guiada à Mesquita Fanar, integrada no Centro Cultural Islâmico em Doha. Evito a pergunta e o peso do hijab que aceitei colocar, tendo em contrapartida acesso à área masculina enquanto os fiéis atrasados terminam a oração. Simbolicamente o momento sintetiza o esforço que o Catar está a fazer para se mostrar ao mundo, numa discussão em que religião, lei e direitos humanos se misturam numa teia cultural complexa.
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Não há dúvidas, mesmo depois de pouco tempo no Catar, quanto ao sistema de castas que domina o país. As nacionalidades não valem todas o mesmo, mas é difícil escavar uma discussão que todos se esforçam por manter submersa. A homossexualidade não pode ser assumida, mas os residentes apressam-se a assegurar que é falsa a ideia de repressão. As mulheres locais não entram num bar, mas uma estrangeira fuma livremente na esplanada e não faltam argumentos de que tem havido um grande investimento no empoderamento da mulher.
Numa altura em que tudo tende a reduzir-se a duas posições (quem mergulha na loucura do futebol e quem acha que os direitos humanos deveriam sobrepor-se ao futebol), importa não esquecer que há zonas cinzentas entre o preto e o branco. Depois de tomar um chá com cataris, única mulher entre homens, e encontrar três portuguesas a residir há uma década no Catar e irritadas com a "hipocrisia do timing" das críticas internacionais, tento perceber os argumentos de quem sente o Mundial como alavanca para os direitos humanos. Um país sob os holofotes do Mundo inteiro foi forçado a mudar muito em dez anos, explicam-nos.
Será essa mudança puramente cosmética ou algo para continuar? É prematuro dizer. O regime é discricionário e as conquistas demasiado lentas, entre as regras impostas e a autocensura. Falta debate e não há liberdade de informação, esse tesouro que nem valorizamos de tanto que o temos por adquirido. "Have you lost your freedom?" Não, porque o hijab naquele contexto foi uma escolha. A luta é para que todos e todas, em qualquer tema e momento, tenham informação para fazer escolhas e o direito a decidir.
*Diretora