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O modo escolhido por Cavaco Silva para se fazer ouvir no meio do ribombar mediático provocado pela crise económica e financeira em que o país vive tem suscitado os mais diversos comentários: há quem entenda que o presidente da República deveria ser muito mais interventivo, de modo a encostar os partidos à parede, confrontando-os com os seus deveres; há quem julgue que o chefe de Estado tem agido na medida certa; e há até quem gostasse de ver Cavaco Silva menos vezes na televisão. Estou com os que vêem na intervenção do presidente da República ponderação a mais e acção a menos.
Bem sei que, de acordo com alguns constitucionalistas, o chefe de Estado está limitado nas suas competências. Isso é uma coisa, que apenas tem implicações a jusante da crise. A montante, é a capacidade política do presidente da República que interessa. E, aqui, Cavaco tem pecado pela escassez.
O mais fácil será dizer que, a pouco tempo de eleições presidenciais, o chefe de Estado, provável recandidato, tenta passar por entre a chuva sem se molhar em demasia. Isto é, sem comprometer a sua ligação à Esquerda e à Direita (mais a esta do que àquela, claro está). Julgo essa análise, meramente tacticista, injusta para Cavaco Silva. Não creio que, numa altura particularmente grave como esta, seja essa a sua linha de rumo.
De modo que sobra a inabilidade política. Cavaco Silva insiste, uma e outra vez, na tese de que o seu trabalho de bastidores é profícuo - e, no entanto, chegamos a um ponto que o líder do principal partido da Oposição recusa reunir com o primeiro-ministro sem ter testemunhas ao seu lado.
Cavaco Silva disse ontem, a propósito da presença em Portugal do secretário-geral da OCDE, que existem cinco partidos com os quais o Governo pode negociar o Orçamento do Estado, numa declaração que soa a tragédia, por se tratar da assunção, mais ou menos evidente, de que o chefe de Estado vê como parcas as possibilidades de um acordo PS-PSD. Donde, a pergunta: o presidente da República acha mesmo que um acordo PS-PCP-BE resolve os nossos problemas? Ou que um acordo com o CDS de Paulo Portas dá estabilidade a algum Governo?
Por fim, o chefe de Estado soltou ontem a seguinte frase: "O meu empenho neste momento é contribuir de forma mais explícita que noutras ocasiões - não tenho estado parado, só que há coisas que se fazem de forma discreta - para que Portugal não caia numa crise política ".
Cavaco não esteve "parado". Deu no que deu. Agora vai intervir "de forma mais explícita". Vamos ver no que dará. Temo que não dê em muito. O chefe de Estado deveria ter intervindo de forma "explícita" e continuada bem mais cedo. O país agradeceria.