A pergunta que o presidente da República deve ter colocado, ontem, aos conselheiros de Estado (em tom prosaico: afinal, como veem V. Exas o futuro de Portugal quando estes tipos da troika saírem do país?) tinha resposta ali bem perto. Junto aos portões do Palácio de Belém, uma tropa de protestantes fazia-se ouvir justamente contra o legado da troika.
Corpo do artigo
E qual é o legado da troika? Sob a capa das reformas do Estado, o Governo tem cortado a eito na despesa, com o único intuito de equilibrar o deve e o haver, sem cuidar dos feridos e dos mortos que, entretanto, vão ficando pelo caminho. Para o triunvirato FMI-Banco Central Europeu-Comissão Europeia, as baixas em combate são um incontornável efeito do "processo": o que interessa é fechar a intervenção, para que alguma coisa se possa mostrar ao Mundo sem perder a face.
Cortar a eito na despesa deu no que deu: disparo do desemprego, queda do consumo interno, crise política, convulsão social. Este é o cenário pós-troika que o chefe de Estado está interessado em discutir. Em boa verdade, Cavaco deseja construir pontes para que o que aí está e o que aí vem tenham um número suficiente de almofadas capazes de amortecer os efeitos da crise. Isto é discutir o presente e não o futuro, mas, como bem se percebe, o presidente não poderia chamar os conselheiros usando como título da convocatória: "O atual cenário de crise e o futuro pós-troika". Manda o bom senso que não se deite gasolina para a fogueira.
E a fogueira, esse é o facto, continua a crescer sem necessidade de combustível adicional. Passos e Portas afastam-se a cada dia que passa. O PS sente o poder cada vez mais próximo. Os empresários deixaram de acreditar neste Governo. A Função Pública passou a odiar o Governo. Os pensionistas idem, idem, aspas, aspas. O setor privado aspas, aspas, idem, idem. É por isso que o exercício proposto, com jeitinho por Cavaco, é uma contradição em si mesmo: com estas variáveis em cima da mesa, como é possível discutir o futuro sem avaliar o presente? Resposta: não é possível.
Muitos (eu entre eles) gostariam de ter sido mosca por um dia, para poder ouvir o que os conselheiros disseram ao chefe de Estado. Certamente, nenhum se atreveu a desenhar dias radiosos no horizonte. Em bom rigor, o pós-troika não assusta menos que o momento atual: assusta, porventura, mais. Embora todos desejemos regressar à posse plena da nossa soberania, não é claro que tal possa acontecer em meados do ano que vem. As necessidade de financiamento da nossa economia são brutais (15 mil milhões de euros a uma taxa de juro que seja comportável para os nossos esmifrados bolsos). As nuvens são demasiado densas. As que estão sobre as nossas cabeças e, certamente, as que ontem pairaram sobre as cabeças dos conselheiros.